A decretação da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), nesta sexta-feira (30), vai abrir uma disputa pela liderança da direita brasileira e não colocará fim à polarização política verificada na última década no País. Além de deixar o nome de Bolsonaro de fora das urnas nas próximas três eleições, a decisão do TSE poderá agravar a situação do ex-presidente nas esferas administrativa e criminal, avaliam juristas ouvidos pela FOLHA.

No quadro político, a tendência é que os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), apareçam com mais força como possíveis nomes da oposição para a eleição presidencial de 2026. Filiada ao PL, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro também é vista como uma possível candidata por setores do partido. Os governadores do Paraná (PSD), Ratinho Júnior, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), deverão correr por fora na disputa pelo voto conservador.

Doutor em Sociologia Política e professor da UFPR, Rodrigo Horochovski avalia que há duas grandes forças em embate em todas eleições presidenciais desde 1989: os eleitores do PT, que respondem por cerca de 30% do eleitorado, e os antipetistas, que também representam aproximadamente 30%. Essa característica não deverá mudar com Bolsonaro fora da disputa. “O Lulismo é muito forte, mas do outro lado não tem quem monopolize. Achavam que era o PSDB, mas foi algo conjuntural. Hoje é um espaço meio aberto, e como não existe vácuo em política, alguém vai ocupar”, afirma Horochovski.

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VOTO ECONÔMICO

A vantagem do candidato da oposição é que ele já sai com aproximadamente 30% do eleitorado, diz o cientista político. “A grande movimentação é para saber quem encarna isso, ninguém tem o controle disso. Cerca de 40% do eleitorado pode mudar de lado. Essa parcela tende ao chamado voto econômico. O que vai acontecer em 2026 estará muito ligado à situação do País do ponto de vista econômico”.

Assim, o desempenho do governo de Luiz Inácio Lula da Silva poderá determinar o grau de radicalismo da direita na próxima eleição. “Se a economia estiver bem em 2026, talvez a pauta de costumes e a pauta moral entrem como alternativa para mudar o eixo da campanha. O principal fator será o desempenho do governo Lula, mas tem o fator idade. Ele tem um grande potencial de transferência de votos, mas não é integral”, comenta Rodrigo Horochovski.

O cientista político e professor universitário Doacir Quadros acredita que o candidato da direita em 2026 terá um perfil mais ao centro. “O eleitor antipetista não é necessariamente bolsonarista. Imagino que a grande maioria dos que votaram em Bolsonaro na última eleição procurem um novo candidato, mais ao centro e menos extremista”.

Quadro lembra que o ex-presidente poderá atuar como cabo eleitoral nas próximas eleições, já que não teve os direitos políticos cassados, o que poderá aumentar a votação de candidatos do PL nas disputas municipais, principalmente nas cidades do interior. “Ele poderá atuar como cabo eleitoral em determinadas candidaturas do PL. Isso poderá levar a um aumento no número de prefeituras do partido em 2024”.

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Desdobramentos

O julgamento ainda poderá complicar Bolsonaro em outras esferas, explica Antonio Carlos de Freitas Junior, mestre em direito constitucional pela USP. O relator do processo no TSE, ministro Benedito Gonçalves, encaminhou seu voto aos ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Fux. Moraes é o relator de dois inquéritos, que investigam o vazamento de investigação da Polícia Federal sobre urnas eletrônicas e a prática de atos antidemocráticos, e Fux é relator de uma petição em que o ex-presidente é acusado da prática de crime contra as instituições democráticas.

“O voto de Benedito Gonçalves, principalmente com a manutenção da chamada ‘minuta do golpe’ apreendida na residência de Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), amplia o rol de provas contra o ex-presidente com relação aos ataques contra os demais poderes, sobretudo ao Judiciário, e ao sistema de votos no país”, afirma Freitas Júnior. “E o TCU (Tribunal de Contas da União) analisará o emprego de bens e recursos públicos em evento com finalidade eleitoreira, com a possibilidade de condenação ao pagamento de multa e até de proibição de ocupar cargos públicos”. Já a Procuradoria-Geral Eleitoral foi acionada para investigar eventuais crimes como atentado à soberania e à integridade nacional e de interrupção do processo eleitoral.

Mestre em Direito, a advogada Juliana Bertholdi avalia que é cedo para falar em desdobramentos, mas considera que a conduta alvo da ação poderá gerar consequências em outras esferas. “O direito brasileiro admite que a mesma conduta seja julgada e reprimida em diversas esferas, sendo possível sobrepor à responsabilização eleitoral, administrativa e criminal. Neste sentido, a conduta debatida (a reunião com embaixadores) indica que as provas do feito e as suas conclusões podem trazer consequências administrativas e criminais”, afirma.

Inelegibilidade não retira direitos políticos de Bolsonaro

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não perdeu os direitos políticos, como explica a mestre em Direito Juliana Bertholdi. "A inelegibilidade de oito anos decorrente da Lei da Ficha Limpa ou dos ditames constitucionais recai sobre os direitos políticos passivos, ou seja, a possibilidade de ser votado”, diz. Com isso, ele poderia ocupar cargos de confiança, como ministro ou secretário de estado. “No entanto, há entendimentos no sentido de que a nomeação e investidura em cargo público de pessoas em condição de inelegibilidade, mesmo nas funções de confiança, poderiam afrontar o princípio constitucional da moralidade”, explica a advogada.

Segundo o mestre em Direito Constitucional pela USP Antonio Carlos de Freitas Junior, a suspensão ou perda de direitos políticos só pode ocorrer em casos de cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado, incapacidade civil absoluta (enfermidade ou deficiência mental), condenação criminal transitada em julgado, recusa de cumprir obrigação ou prestação alternativa, como alistamento militar, e condenação por improbidade administrativa.

Para o jurista, não seria razoável o processo se limitar aos fatos indicados na petição inicial e não avançar nos fatos posteriores à eleição. “O ponto é avaliar a pertinência dos fatos supervenientes ao objeto da ação, de modo que deve ser aceita tão somente a inclusão de fatos e provas com estrita relação ao caso”, diz. “A inclusão da ‘minuta do golpe’ se deu para demonstrar mais uma repercussão das condutas investigadas, confirmando a intenção de Bolsonaro e sua influência”.

RECURSO NO STF

Para Juliana Bertholdi, haverá dificuldades para o ex-presidente reverter a decisão no STF. “O recurso cabível seria o Extraordinário, cujo julgamento cinge-se às demandas constitucionais. As questões legais não podem ser novamente debatidas no STF”, explica. “O próprio recebimento do recurso, cheio de exigências técnicas, já é raro. É preciso demonstrar a repercussão geral, um interesse social, é o pré-questionamento da matéria constitucional, que já não foi central no julgamento do TSE. Essa exigência limita as possibilidades recursais, representando um desafio para a defesa do ex-presidente”.

Antonio Carlos de Freitas Junior lembra que a defesa de Bolsonaro também pode recorrer ao TSE, com Embargos de Declaração. “Caberá à defesa do ex-presidente apenas visar esclarecer obscuridade ou contradição, suprimir omissão ou corrigir erro material na decisão, não sendo possível a rediscussão do mérito do caso neste tipo de recurso”, afirma. “Quanto ao Recurso Extraordinário ao STF, a defesa deve alegar e provar a violação de algum dispositivo da Constituição Federal, bem como que há repercussão geral, ou seja, a relevância daquela matéria, para que o referido recurso venha a ser analisado e julgado”. (J.M.L.)