BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente Jair Bolsonaro formalizou a indicação do juiz federal Kássio Nunes Marques, 48, para ocupar a vaga que será deixada neste mês pelo ministro Celso de Mello no STF (Supremo Tribunal Federal).

A concessão da aposentadoria e a oficialização do nome para a apreciação do Poder Legislativo foram publicadas no "Diário Oficial da União". O rito formal permite ao magistrado que seja sabatinado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado.

Se aprovado, seu nome segue para apreciação do plenário. E, caso a decisão seja confirmada por maioria absoluta, ele é então nomeado ao posto.

Na manhã desta sexta-feira (2), a presidente da CCJ, Simone Tebet (MDB-MS), conversou de forma informal com alguns dos membros do colegiado.

A ideia dos parlamentares é que a sessão para sabatina ocorra no próximo dia 14, um dia depois de Celso de Mello deixar o STF. O relator para a indicação ainda não foi oficializado, mas ganha força o nome do líder do MDB Eduardo Braga (AM).

Em nota divulgada nesta sexta-feira, a presidente do colegiado afirmou que a escolha do relator "somente ocorrerá, após recebimento oficial da mensagem" junto à Mesa do Senado. O Senado aguarda a chegada do documento ainda nesta sexta-feira.

Como a Casa está realizando sessões remotas devido à pandemia, e ainda devido ao período eleitoral, a expectativa dos líderes é que todo o processo —sabatina e votação no plenário— seja feito no mesmo dia.

"Não há vácuo de poder e o Senado está se articulando para resolver esse fato o mais rápido possível", disse o vice-líder do governo, Chico Rodrigues (DEM-RR).

A oficialização da indicação foi feita antes da aposentadoria do ministro atual, um procedimento que não é comum em nomeações ao STF. O costume é que se espere que o posto fique vago para formalizar a indicação, em um gesto de respeito ao atual ocupante do cargo.

No Diário Oficial da União, o presidente afirmou que encaminhou o nome neste momento "considerando a necessidade de prévia organização para o funcionamento das deliberações" do Senado em virtude "do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do coronavírus". ​

Na manhã desta sexta-feira (2), em conversa com um grupo de apoiadores, Bolsonaro defendeu a indicação de Kássio. Segundo ele, as críticas recebidas pelo juiz federal por eleitores e aliados do presidente são uma "covardia".

Bolsonaro disse ainda que a indicação está mantida, a não ser que apareça um fato novo "gravíssimo" contra o magistrado, o que o presidente disse não acreditar que ocorra.

"Eu lamento muito que uma autoridade lá do Rio de Janeiro, que eu prezava muito, está me criticando muito, com videozinho me xingando de tudo o que é coisa", disse. "Essa infâmia em especial que essa autoridade lá do Rio de Janeiro está fazendo contra o Kássio é uma covardia. Até porque ele esta fazendo isso porque queria que eu colocasse um indicado por ele", acrescentou.

Na quinta-feira (1º), antes mesmo da indicação ter sido anunciada, o pastor Silas Malafaia gravou vídeo no qual classificou a escolha de Bolsonaro como um "absurdo vergonhoso" e ressaltou que o presidente está "cedendo a quem jamais deveria ceder".

"Meu presidente, com todo o respeito, como é que o senhor vai indicar um cara para o STF nomeado por Dilma, amigo da petralhada, com posições socialistas", afirmou. "É uma decepção geral. O senhor está colocando um camarada que atende o centrão, o PT e a esquerda", emendou.​

Kássio integra o Tribunal Regional Federal da 1ª Região e ganhou o apoio de Bolsonaro com a chancela de caciques de partidos do centrão, representando ainda um gesto ao Nordeste, região onde o presidente sofreu derrota eleitoral em 2018.

Hoje, o Supremo não tem nenhum ministro nordestino. A escolha de Kássio foi influenciada pelos senadores Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e Ciro Nogueira (PP-PI), um dos líderes do centrão no Congresso.

Segundo aliados do presidente, na semana passada, Flávio sugeriu ao pai que avaliasse Kássio para o STF. O juiz federal estava em campanha para o STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Os advogados Frederick Wassef e Willer Tomaz também teriam respaldado a indicação, de acordo com aliados de Bolsonaro e integrantes do Judiciário.

Na última sexta-feira (25), Celso de Mello anunciou que irá antecipar em três semanas sua aposentadoria do STF. Inicialmente, a saída do decano estava prevista para 1º de novembro, quando ele completa 75 anos e se aposentaria compulsoriamente. Mas ele informou que sairá no dia 13 de outubro.

No Legislativo e no Judiciário, a expectativa é de que o Supremo ganhe um reforço no grupo de ministros que costuma impor derrotas à Lava Jato. A aposta é também de que o novo ministro tenha atitude contrária à rescisão da colaboração premiada da JBS, em discussão no STF.​

O escolhido pelo presidente também poderá herdar o acervo de processos de Celso de Mello, o que inclui a investigação contra Bolsonaro por supostas interferências na Polícia Federal, motivada por acusações do ex-ministro Sergio Moro.

Além disso, a escolha passa pela definição da situação jurídica de Flávio. O STF decidirá sobre a concessão de foro especial ao senador.

Caso o benefício seja confirmado, poderá ganhar força a tese de anulação das provas colhidas quando a investigação do caso da "rachadinha" na Assembleia Legislativa do Rio estava sob responsabilidade do juiz de primeira instância​​​.

O presidente vinha sendo pressionado por aliados e eleitores a recuar da indicação do juiz federal. Desde que o nome do juiz foi anunciado como o favorito do presidente, textos e imagens estão sendo divulgados nas redes sociais associando Kássio ao PT, partido adversário da atual gestão.

As mensagens foram também enviadas ao WhatsApp de Bolsonaro por deputados aliados.​ Durante a live, havia vários comentários no YouTube contra a indicação de Kássio. Bolsonaro reagiu dizendo que "qualquer um que eu indicasse estaria levando tiro".

​Pessoas próximas ao juiz federal Kássio Nunes o descrevem como levemente conservador e dizem que, nos últimos dois anos, ele ajustou seu discurso e se alinhou à visão de Bolsonaro em temas de comportamento.

Ele é juiz do TRF-1 desde 2011 e chegou ao cargo nomeado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), graças à proximidade com caciques políticos do MDB e do PP, incluindo o senador Ciro Nogueira (PP-PI).

Preencheu vaga reservada aos advogados —o quinto constitucional. Recebeu o apoio do então presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Marcus Vinícius Furtado Coelho, e do atual governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), à época chefe da OAB local. Após a indicação da ordem, foi o mais votado em lista tríplice.

Antes do TRF-1, Kássio atuou como juiz do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Piauí, de 2008 a 2011. Neste período, participou do julgamento que aprovou as contas eleitorais de Ciro Nogueira na campanha ao Senado em 2010.

Na ocasião, a Procuradoria Eleitoral apontou irregularidades nas contas do parlamentar —informações não declaradas à Justiça Eleitoral sobre o uso de veículos pela campanha.

Em entrevistas como juiz federal, Kássio já deixou claro que tem visões diferentes da Lava Jato. Para ele, a execução de pena após condenação de segunda instância, que levou o ex-presidente Lula (PT) à prisão, não é automática.

Como a jurisprudência do Supremo de determinar o cumprimento de pena após o fim do processo foi decidida por 6 a 5, a eventual nomeação de alguém contrário a essa tese (caso do ex-ministro Sergio Moro) poderia reverter o entendimento do tribunal a respeito.

Mudar esse entendimento para permitir o cumprimento de pena após decisão de segundo grau daria força novamente à operação. E desagradaria boa parte do mundo político, incluindo caciques do MDB e do PP alvos da Lava Jato.

Foi de Kássio a derrubada de liminar da primeira instância que havia suspendido licitação do STF para a contratação de bufê para o fornecimento de refeições, com menu que incluía lagosta. A compra gerou repercussão negativa, e a decisão de primeiro grau ajudou a desgastar a imagem da corte.

O magistrado tem mestrado na Universidade de Lisboa, onde faz doutorado. Especialistas na área, no entanto, afirmam que ele tem uma carreira acadêmica pouco expressiva.