Brasília - Com apenas duas sessões realizadas, a CPI da Covid virou palco de uma guerra declarada entre governistas e senadores do chamado G7, bloco composto por independentes e opositores do Palácio do Planalto.

Além de protagonizar disputas judiciais e bate-boca até o momento, os congressistas dos dois grupos já preparam uma batalha de requerimentos para retaliar os adversários.

A CPI da Covid-19 foi instalada na terça-feira (27), em uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Os governistas contam com apenas 4 dos 11 membros titulares da comissão. Portanto, eles têm pouca margem de manobra para controlar o ritmo da apuração e evitar convocações de ministros.

Os aliados de Bolsonaro não conseguiram, por exemplo, evitar a eleição para a presidência do colegiado do independente Omar Aziz (PSD-AM) e, principalmente, a indicação de Renan Calheiros (MDB-AL) para a relatoria.

Uma das apostas dos governistas para as próximas semanas é apresentar uma avalanche de requerimentos com pedidos a estados e municípios de documentos relativos a repasses do governo federal.

Antevendo as intenções dos governistas, Renan entrou em uma discussão com os senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Izalci Lucas (PSDB-DF) -este último não é membro da comissão, mas participa na condição de líder de bancada. O relator queria que todos os pedidos fossem aprovados pela maioria.

Os dois parlamentares, mais alinhados ao governo, argumentaram que requerimentos simples de informação não deveriam ser votados.

"O senhor está com medo de aprovar os requerimentos de informação, é isso o que o senhor está mostrando", afirmou Nogueira, líder do centrão, principal grupo de sustentação do governo no Congresso.

"Nós não vamos transformar esta comissão parlamentar de inquérito numa batalha eleitoral, política", disse Renan. "Eu não estou com medo. Eu acho que com medo está quem não quer a comissão", afirmou.

Os membros do G7 relatam que uma das formas de pressão dos governistas será na atuação contra os governadores. Especificamente contra Renan, afirmam que os congressistas defensores do Planalto planejam disparar requerimentos de pedidos de documentos relativos aos estados de Alagoas e Pará.

O primeiro é governado por Renan Filho (MDB) e o segundo, por Helder Barbalho (MDB), filho do suplente da comissão Jader Barbalho (MDB-PA).

Além de atingir Renan, os quatros governistas da CPI, segundo senadores do G7, buscam usar os requerimentos contra governadores para pressionar adversários nos estados. Todos eles são pré-candidatos a governadores.

As ações de pressão com os pedidos ocorrem após tentativas frustradas de evitar que o senador alagoano assumisse a relatoria, argumentando que há impedimento por ele ser pai de governador.

A CPI vai investigar as ações e omissões do governo federal na pandemia e também os repasses para estados e municípios para o enfrentamento ao novo coronavírus.

Por duas vezes, os governistas buscaram uma decisão judicial contra Renan.

Na primeira, a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) chegou a conseguir uma liminar na primeira instância do Distrito Federal, que acabou revertida.

Já no dia da instalação da comissão, os senadores Eduardo Girão (Podemos-CE), Jorginho Mello (PL-SC) e Marcos Rogério (DEM-RO) ingressaram com mandado de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal), que negou o pedido.

O G7 também promete retaliar o governo. Senadores pretendem apresentar requerimentos para convocar a ministra Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e a funcionária Thais Amaral Moura, que elaborou pedidos assinados por congressistas para ouvir médicos favoráveis ao uso da hidroxicloroquina no tratamento contra a Covid.

Independentes e opositores passaram a articular as convocações depois de Nogueira ter afirmado a empresários na semana passada que a CPI não daria em nada para o presidente.

O objetivo de integrantes do grupo é questionar a ministra sobre a interferência do Palácio do Planalto nos trabalhos legislativos e interrogar Moura sobre quem deu a ordem para redigir os documentos. A intenção é apenas expor o governo e retaliar Nogueira pelas declarações que deu sobre a ineficácia da comissão.

As estratégias de retaliação vão ocorrer em paralelo aos embates mais duros da comissão, que devem ocorrer durante o depoimento de testemunhas. Na terça-feira (4), a CPI ouvirá o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.

A intenção dos senadores independentes é traçar uma linha do tempo e entender quais as orientações passadas por Mandetta ao presidente no início da pandemia e qual foi a reação do mandatário às projeções de avanço do coronavírus.

O plano de trabalho apresentado na quinta-feira (29) por Renan elenca seis linhas de investigação que serão conduzidas pelos membros da comissão. A primeira delas são as ações do governo no combate à pandemia.

Como mostrou a Folha de S.Paulo no sábado (1º), a equipe da CPI da Covid que auxilia Renan fez uma cronologia e já levantou mais de 200 momentos em que Bolsonaro propagou discurso negacionista na pandemia, de janeiro de 2020 ao mesmo mês deste ano.

O compilado, obtido pela Folha, inclui frases do presidente em que ele critica o isolamento social, propagandeia o uso da hidroxicloroquina contra a Covid-19 e minimiza o coronavírus, chegando a chamá-lo de gripezinha.

O objetivo de congressistas é usar declarações e ações para eventualmente imputar crimes ao presidente ao fim dos trabalhos. Advogados avaliam que há ao menos quatro que podem ser atribuídos aos discursos.

Os dados serão explorados nos depoimentos desta semana. Além de Mandetta, serão ouvidos os ex-ministros da Saúde Nelson Teich, Eduardo Pazuello e o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga.