BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A pressão interna de senadores pela conclusão dos trabalhos da CPI da Covid em um eventual apogeu deixará frentes de investigação sem respostas.

O colegiado que iniciou as apurações na linha de tratamentos ineficazes contra a Covid-19 encontrou um rastro de suspeitas de corrupção no governo Jair Bolsonaro, ganhou a atenção da opinião pública, prorrogou as atividades, caiu em um vale e agora vê o fôlego recuperado.

Para senadores, é hora de pôr fim às investidas, mesmo com o prazo estendido até novembro. Com isso, esquivam-se do risco de um desgaste político em razão de perda de foco e resultados limitados.

Ao todo, são 180 dias para investigar. As pontas soltas, porém, têm preocupado senadores, que já cogitam estender em mais duas semanas a data de término dos trabalhos, inicialmente prevista para o dia 22, quando seria finalizado o relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Um dos motivos é o volume de documentos recebidos pela colegiado. Acumularam-se até agora 2.434 arquivos. A CPI ainda não sabe o que fará com todo esse material após o término das investigações, principalmente os de acesso sigiloso.

Renan espera que os documentos abertos continuem disponíveis no site da comissão. "Estamos simultaneamente trabalhando em duas direções: avançar nas investigações e desenhar o relatório. Todos os documentos chegarão a tempo de serem utilizados", disse.

Boa parte do material, porém, ainda está sem análise, como as 307 mil páginas de diálogos, obtidos por quebra de sigilo pelo MPF (Ministério Público Federal) no Pará, de Marconny de Faria, apontado pela CPI como lobista da Precisa Medicamentos.

Por causa disso, a comissão não conseguiu mapear toda a rede de relacionamentos do advogado, classificado como "o lobista dos lobistas" pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Integrantes falam até em conversas com pessoas que têm direito a foro especial.

Os diálogos já revelaram proximidade do lobista com a ex-mulher de Bolsonaro Ana Cristina Valle, sua advogada, Karina Kufa, e seu filho Jair Renan. Na última quarta-feira (1º), o jornal Folha de S. Paulo revelou que o filho "04" teve auxílio do lobista para abrir sua empresa, a Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia, em novembro de 2020.

Além disso, estão pendentes depoimentos considerados importantes para esclarecer supostas irregularidades em contratos do Ministério da Saúde. A CPI corre contra o tempo e sucessivos atestados médicos.

A comissão cancelou os trabalhos na semana do feriado de 7 de Setembro, e os senadores só devem retornar ao Congresso no dia 13. No dia seguinte, a CPI quer dar prioridade para ouvir o empresário Marcos Tolentino, que apresentou atestado na semana passada para faltar à sessão.

Próximo ao deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, Tolentino é apontado como sócio oculto da empresa que forneceu uma garantia irregular na compra da vacina indiana Covaxin pelo ministério.

Marconny deverá ser chamado novamente à CPI no dia 15, após ter faltado também sob argumento de problemas de saúde.

Ainda fica pendente o depoimento de Zenaide Sá Reis, considerada importante personagem para esclarecer os aditivos milionários feitos pelo Ministério da Saúde com a VTCLog, empresa onde é responsável pelo setor financeiro.

A CPI também quer ouvir Danilo Trento, diretor da Precisa, e novamente o ex-secretário-executivo da Saúde Elcio Franco, considerado então braço direito do ex-ministro Eduardo Pazuello. Hoje, Franco é assessor especial da Casa Civil.

Entre os fatos novos que justificam a nova convocação está reportagem da Folha de S. Paulo que relevou um ofício da diretora técnica da Precisa, Emanuela Medrades, a Franco, o que levou a uma mudança a jato na forma de pagamento pela Covaxin.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), também já manifestou a intenção de dedicar uma sessão para ouvir uma vítima da Covid que tenha sido prejudicada pela condução da pandemia pelo governo.

Com tudo isso, está praticamente descartado um novo depoimento de Pazuello, ideia antes defendida pela CPI. O objetivo era que o general explicasse o vídeo revelado pela Folha de S. Paulo em que ele promete a um grupo de intermediadores comprar 30 milhões de doses da Coronavac.

A vacina foi oferecida ao governo federal por quase o triplo do preço negociado pelo Instituto Butantan.

A negociação foi feita em uma reunião no ministério fora da agenda oficial, e o laboratório chinês Sinovac afirmou que apenas o Butantan pode oferecer a vacina no Brasil.

Em outra trilha, as investigações sobre os hospitais federais no Rio de Janeiro já foi praticamente descartada.

A investida era tida como uma das principais frentes da CPI, após depoimento do ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel (PSC).

Ele acusou a União de repassar verbas para hospitais federais como forma de garantir propina para empresas relacionadas à prestação de serviço. Witzel ainda deu um segundo depoimento sigiloso ao grupo para oferecer detalhes.

A comissão recebeu todos os contratos firmados nos hospitais durante a pandemia. No entanto, o colegiado não teve tempo de apurar o caso, que está sob comando do senador Humberto Costa (PT-PE).

A análise das quebras de sigilos fiscais dos investigados, fundamentais para fazer o "follow the money", também deverá ser deixada de lado. Uma das consequências será que a CPI fechará o relatório sem ter conseguido provar um caso de corrupção, apesar dos indícios de irregularidades em contratos do governo.

Outra aposta da comissão —identificar o financiamento de sites que promoviam fake news sobre a Covid e sua ligação com integrantes do governo— também não foi comprovada.

Nos bastidores, servidores de gabinetes dizem que faltaram pessoal e expertise para analisar a sopa de letrinhas e números que chegaram das quebras. Também reclamam de pouco empenho de servidores da Polícia Federal, da Receita Federal e do TCU (Tribunal de Contas da União) deslocados para colaborar.

Questionada pela reportagem, a PF afirmou, em nota, que disponibilizou quatro policiais à presidência e à relatoria da CPI desde o dia 2 de junho —um delegado, um perito criminal e dois agentes, especialistas na análise de documentos.

"A escolha do grupo decorreu do conhecimento técnico e foi avalizada pela relatoria da comissão. Os policiais atuam de acordo com as demandas recebidas do colegiado, além de analisarem eventuais documentações e informações em que há decisão de encaminhamento para o órgão", disse.

Já o TCU respondeu que cedeu a pedido de Aziz dois auditores, lotados na SecexSaúde (Secretaria de Controle Externo de Saúde) e na Selog (Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas).

"A cessão foi por todo o período de funcionamento da comissão. Além disso, o tribunal atendeu a todos os requerimentos da CPI, de envio de informação e de realização de auditorias, e enviou cópia integral de processos, em especial aqueles do Plano Especial de Acompanhamento das Ações de Combate à Covid-19", afirmou, em nota.

A Receita disse que prestou as informações solicitadas via requerimentos aprovados pela comissão, na forma legal. O órgão afirmou zelar pela proteção do sigilo fiscal. Para isso, disse ter destacado um servidor como ponto de apoio e interlocução com a comissão.

DEPOIMENTOS QUE AINDA FALTAM SER COLHIDOS PELA CPI:

Marcos Tolentino, apontado como sócio oculto da empresa que forneceu garantia irregular na compra da Covaxin

Marconny de Faria, apontado como lobista da Precisa Medicamentos e próximo a Jair Renan Bolsonaro

Zenaide Sá Reis, responsável pelo financeiro da VTCLog, empresa que fechou aditivos milionários com Ministério da Saúde

Danilo Trento, diretor da Precisa Medicamentos

Coronel Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde

Vítima da Covid que tenha sido prejudicada pela condução da pandemia pelo governo

DOCUMENTOS A SEREM ANALISADOS:

307 mil páginas de quebra de sigilo de Marconny de Faria, apontado como lobista da Precisa

Quebras de sigilo de sites de fake news, de empresas de medicamentos ineficazes e de investigados da CPI

Processos do TCU relacionados à pandemia

Investigações enviadas pelos Ministérios Públicos estaduais e federais

Contratos firmados com hospitais federais no Rio de Janeiro