Prova de sua representatividade majoritariamente conservadora, a Câmara Municipal de Londrina aprovou requerimento que pleiteava o envio de congratulações à Polícia Civil do Rio de Janeiro pelo “belíssimo” trabalho desempenhado na operação na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, que resultou na morte de 29 pessoas, no início deste mês. No mesmo requerimento, o autor da medida, o vereador Claudinei Pereira dos Santos, o Santão (PSC), também encaminhou votos de pesar à família do policial civil André Leonardo de Mello Frias, morto logo no início da operação. Agente da PRF (Polícia Rodoviária Federal) e ex-policial militar, o vereador ocupa a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Além dele, a vereadora Lu Oliveira (PL), vice-presidente da comissão, também votou favoravelmente.

Vereador Santão (PSC), autor do requerimento
Vereador Santão (PSC), autor do requerimento | Foto: Devanir Parra/CML

Considerada desastrosa por movimentos de defesa dos direitos humanos e especialistas em segurança pública, a operação no Jacarezinho foi a mais letal da história do estado do Rio de Janeiro. Realizada sob a vigência de uma liminar expedida pelo ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), que restringia a realização de operações policiais nas favelas devido à pandemia da Covid-19, a operação é alvo de uma força-tarefa do Ministério Público do Rio de Janeiro que investiga supostos excessos cometidos pelos agentes no cumprimento de 21 mandados de prisão contra suspeitos de aliciarem menores para participarem do tráfico de drogas na comunidade. Nesta segunda-feira (24), o MPRJ deu dez dias para que a Polícia Civil envie informações dos laudos de necropsia, esquema de lesões e o registro fotográfico de ferimentos dos mortos. Após a operação, a Polícia Civil do RJ colocou sob sigilo as informações de todas as operações policiais realizadas pela corporação. A medida vale por cinco anos.

Também votaram favoravelmente à medida os vereadores Chavão (PATR), Daniele Ziober (PP), Eduardo Tominaga (DEM), Emanoel Gomes (Republicanos), Giovani Mattos (PSC), Jairo Tamura (PL), Jessicão (PP), Mara Boca Aberta (PROS), Nantes (PP) e Roberto Fú (PDT). Já Beto Cambará (PODE), Deivid Wisley (PROS), Lenir de Assis (PT), Matheus Thum (PP), Prof. Flavia Cabral (PTB) e Prof. Sônia Gimenez (PSB) votaram “não”. O vereador Madureira (PTB) não participou da votação.

CULPA

Ao defender a proposta, o vereador Santão disse que a violência letal que vem dos bandidos “só pode ser combatida com força letal”. E que a “imprensa, o STF e alguns integrantes de partidos de esquerda têm detonado a vida daqueles policiais corajosos que subiram naquele morro com um monte de bandidos armados até os dentes”.

No requerimento, Santão comparou a ação no Jacarezinho com a desempenhada por grupos de elite da polícia, como os Navy Seals (EUA), West Marshall Police (EUA) e Mossad (Israel).

Questionado se as operações policiais mais bem sucedidas não seriam aquelas em que há a captura dos bandidos, o parlamentar respondeu que os policiais têm o direito de defenderam a própria vida e que a culpa pela violência “sempre será dos bandidos", afirmou. "A culpa da violência nunca será da polícia. A morte do bandido é uma escolha pessoal do bandido”, avaliou.

“Eu desafio qualquer pessoa a subir numa comunidade onde dezenas de criminosos inescrupulosos estão armados até os dentes com fuzis de grosso calibre e consiga apenas dar a voz de prisão”, desafiou.

A reportagem também questionou o vereador se não soa como algo contraditório um parlamentar que trabalha pela defesa dos direitos humanos apoiar uma ação que resultou em tantas mortes. “Estou na comissão para defender a vida dos humanos direitos, não o 'direito dos manos', o que historicamente aconteceu na CML. Temos que valorizar toda a vida, inclusive tenho um projeto há mais de 20 anos em escolas, creches, locais onde crianças sofreram violência sexual, violência doméstica, justamente para evitar que crianças possam entrar no mundo da criminalidade”, afirmou.

Para Lu Oliveira, vice-presidente da Comissão, seria "impossível" não votar favoravelmente já que o requerimento visava, também, demonstrar solidariedade à família do policial. Ela ressaltou que a operação no Jacarezinho foi planejada por dez meses e que a violência se tornou inevitável a partir da forma como os policiais foram recebidos na comunidade.

CONTRÁRIOS

A reportagem também conversou com a assessoria do vereador Beto Cambará. De acordo com um dos seus assessores, o parlamentar não se sentiu confortável em votar "sim" ao envio de congratulações por não ter tido informações suficientes, mas concordou com o voto de pesar ao policial morto na operação na comunidade do Jacarezinho, no Rio.

Já a vereadora Lenir de Assis, que também integra a CDH, definiu a operação como uma “chacina” e disse que parabenizar o trabalho dos policiais não faria sentido diante de sua perspectiva pessoal de preservação da vida. “Aquilo me causou um impacto muito grande. Por isso, naquele momento, me manifestei e votei independentemente de estar na comissão. Na minha perspectiva pessoal, a minha vida, num momento como esse que se busca a paz, precisamos ir em direção à não-violência. Desde o início, votaria contra por várias razões. Especialmente, porque o nosso trabalho, a nossa missão, o meu papel é construir uma sociedade com menos violência”, afirmou.

No mesmo sentido, a Prof. Sonia Gimenez disse que preferiu aguardar novas informações e ressaltou que o trabalho de todos os policiais é muito importante. No entanto, reconheceu a possibilidade de ter havido excessos por parte da polícia, como disparos fatais ante os de contenção, e que aprovar a medida não seria coerente com sua formação cristã.

“Uma frase que tem sido dita nos últimos anos é ‘vidas humanas importam’. Eu vejo isso porque eu sou cristã. Meu posicionamento é que todas as pessoas precisam ter a chance de viver. Eu penso em como a Bíblia traz relatos de como Jesus Cristo deu a oportunidade das pessoas se transformarem. Eu sei que aquele grupo é formado por pessoas que traficam drogas, mas vejo que são familiares que estão sofrendo hoje, apesar de reconhecer o trabalho dos policiais. Certamente, tem pessoas que falam ‘que eles não vão mudar’, mas eu não conheço o coração daquelas pessoas. Reconheço que vidas não precisariam ter sido levadas”, concluiu.