A prática de prefeituras pagarem shows artísticos, alvo de polêmica por conta dos cachês dispendidos em atrações de peso no cenário nacional, não é incomum no Norte do Paraná. Ao menos quatro prefeituras da Região Metropolitana de Londrina contrataram cantores dessa forma para eventos que comemoraram ou ainda vão celebrar os aniversários das cidades.

Assaí. Memorial da Imigração Japonesa. Foto: José Fernando Ogura/ANPr
Assaí. Memorial da Imigração Japonesa. Foto: José Fernando Ogura/ANPr | Foto: Jose Fernando Ogura/AEN

Juntas, Ibiporã, Sertanópolis, Assaí e Primeiro de Maio desembolsaram R$ 958 mil para que artistas cantassem nas festas oficiais. Primeiro de Maio pagou o cachê mais caro, R$ 185 mil para a empresa José Carlos de Assis Produções Artísticas Ltda, da dupla Fernando e Sorocaba, que se apresentaram no feriado do Dia do Trabalho, no 71º aniversário da cidade.

PRIMEIRO DE MAIO

Precursores do que ficou conhecido como "sertanejo universitário", os dois ganharam projeção nacional com a música "Bala de Prata" e emendaram uma série de sucessos na sequência. Hoje, somam 14 anos de carreira.

Em Primeiro de Maio, a prefeita Bruna Casanova (PSD) pagou R$ 185 mil para a dupla Fernando e Sorocaba
Em Primeiro de Maio, a prefeita Bruna Casanova (PSD) pagou R$ 185 mil para a dupla Fernando e Sorocaba | Foto: Arquivo Folha

O Portal da Transparência não disponibilizava, pelo menos até esta sexta-feira (10), os documentos da contratação, como o edital da licitação e o parecer jurídico que autorizou o gasto. Só é possível identificar que o contrato foi assinado em abril e terminou no começo de junho, mas não há detalhes de como os recursos foram utilizados.

A Prefeitura de Primeiro de Maio também contratou o grupo de pagode sul mato-grossense Atitude 67, que cantou no dia 30 de abril. A administração municipal pagou R$ 112 mil para a Atitude 67 Produções Artísticas Ltda. A FOLHA tentou consultar o contrato, que não foi colocado no mesmo portal.

O município de apenas 11.138 habitantes é comandado por Bruna Casanova (PSD), que está no primeiro mandato. A reportagem procurou ela e os artistas contratados, mas as assessorias não retornaram.

SERTANÓPOLIS

Se Primeiro de Maio teve o show mais caro, Sertanópolis (50 km de Londrina) foi o município que mais gastou: R$ 413 mil no total. O dinheiro foi dividido para quatro duplas sertanejas. Foram R$ 140 mil para Marcos e Belutti, R$ 124 mil para Henrique e Diego, R$ 137 mil para Edson e Hudson e R$ 12 mil para João Vitor e Gabriel.

As apresentações ocorreram durante a "Expo Sertão 2022", que celebrou 88 anos da cidade, hoje com 16.456 moradores, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O evento foi no Lago Tabocó, principal ponto turístico, entre os dias 2 e 5 de junho.

Os contratos verificados pela FOLHA no Portal da Transparência mostram que o dinheiro público foi usado para custear as despesas de produção, hospedagem, alimentação, os técnicos de som, carregadores, camarim "e ainda outras diretas e indiretas necessárias para realização do show".

O procurador do Município, Henrique Zanoni, foi quem deu o aval para o gasto. Em conclusões semelhantes, ele disse que "a contratação é compatível do ponto de vista custo-benefício" e que "os cantores são reconhecidos em âmbito nacional".

Durante a semana, a prefeita Ana Ruth Secco (PSB) informou que daria entrevista pessoalmente, mas afirmou que não iria se pronunciar. A assessoria de João Vitor e Gabriel explicou que não comentaria o assunto. Os representantes dos outros artistas não retornaram os contatos feitos por e-mail e telefone.

ASSAÍ

Com 14.792 habitantes, Assaí festejou 90 anos entre os dias 30 de abril e 1º de maio. No Centro de Eventos, Henrique e Diego e João Vitor e Gabriel, que também cantaram em Sertanópolis, animaram o público presente.

Para a primeira dupla, a prefeitura pagou R$ 103 mil para a empresa Hed Produções Artísticas Ltda. custear o transporte, alimentação, segurança, estrutura do camarim, montagem, entre outros serviços. Já a outra contratada, a GA Gonçalves Silva Shows e Eventos Ltda., recebeu R$ 26 mil para pagar as mesmas despesas.

Segundo os contratos disponíveis no Portal da Transparência, a verba veio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. A FOLHA procurou a assessoria de imprensa, que não retornou o pedido de manifestação. A assessoria de João Vitor e Gabriel disse que não comentaria a contratação. Os responsáveis pela dupla Henrique e Diego não foram localizados.

IBIPORÃ

A expectativa é alta para a 44ª Festa Junina, cujaotema é "O Arraiá da Nossa História". A festividade, que retorna depois de dois anos por conta da pandemia de Covid-19, começa neste sábado (11) e vai até o dia 19 de junho.

Ela integra a programação do Jubileu de Diamante, que comemora os 75 anos de Ibiporã. Em seu site oficial, a prefeitura diz que a praça Pio XII, na região central, será transformada "em um corredor histórico, lembrando as origens e também a longa tradição da festa, que completa 44 anos".

O prefeito José Maria Ferreira (PSD) decidiu pagar R$ 119 mil no total a seis duplas sertanejas. O recurso ficou dividido assim: R$ 17 mil para Davi e Fernando, R$ 40 mil para Felipe e Falcão, R$ 22 mil para Jeann e Julio, R$ 22 mil para João Márcio e Fabiano, R$ 10 mil para Manu e Gabriel e R$ 8 mil para Marcus e Dalto. Outros dois artistas se apresentarão com verba proveniente da Lei Aldir Blanc.

A FOLHA pediu entrevista com Ferreira, mas a assessoria de imprensa mandou a seguinte nota: "O evento foi pensado e planejado para que os recursos fossem utilizados de forma moderada, considerando que são 8 atrações musicais, 2 delas provenientes da Lei Aldir Blanc, recurso federal destinado a esta finalidade. A gerência séria das contrapartidas permitiu utilizá-las também para abrilhantar a festa".

A prefeitura disse ainda que "considerou o investimento em cultura e suas iniciativas e o incentivo ao turismo - afinal a festa recebe Ibiporã, sua região e pessoas de outros estados - de extrema importância para o fortalecimento da economia".

A reportagem procurou os cantores, mas a maioria não retornou. Manu e Gabriel disseram que não iriam se pronunciar. João Márcio e Fabiano emitiram a seguinte declaração, assinada também pelo empresário da dupla, Alcebíades Pires de Macedo Júnior:

"Assim como qualquer outro setor que contrate com o Poder Público, o setor artístico/cultural tem o direito de receber pelos serviços prestados. Não se pode desmerecer o trabalho de um músico, cantor, ou qualquer outro artista. Não se pode considerá-los menos importantes do que qualquer outro profissional que receba sua contraprestação diretamente do poder público".

A nota continua: "Será que as emissoras de televisão podem receber valores milionários para divulgar a administração pública, e os profissionais da cultura não podem? A dupla JM&F declara que os valores que receberão pelo show estão abaixo do que normalmente praticam, exatamente por serem da cidade e por necessitarem, após o período de pandemia, voltar ao mercado de trabalho".

A OPINIÃO DO MP

Para o promotor Leonardo Dumke Busatto, as prefeituras devem seguir uma série de regras para contratar os artistas. "Qualquer contratação ou compra, seja de um produto ou de um serviço, como show musical, deve atender o preço de mercado, que usualmente é pago por outros órgãos públicos. Para isso, deve ser feita uma ampla pesquisa", comentou.

Busatto argumentou que é essencial o envolvimento da população em fiscalizar este tipo de gasto. "Todas as informações devem estar no Portal da Transparência. Se elas não estiverem disponíveis, o cidadão precisa cobrar e pode até fazer um pedido via Lei de Acesso à Informação. De qualquer forma, o engajamento é importante", finalizou.

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1.