O então chefe da inteligência da Receita Federal foi ao Palácio do Planalto na véspera de iniciar uma devassa ilegal em dados sigilosos de desafetos de Jair Bolsonaro (PL), em 2019, e voltou ao local no dia em que concluiu o trabalho, indo especificamente ao gabinete de Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

Fachada do Palácio do Planalto
Fachada do Palácio do Planalto | Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Nesses dias, não há na agenda pública oficial de Bolsonaro ou do general Heleno no registro de compromisso com Ricardo Pereira Feitosa, que coordenou o setor de Pesquisa e Investigação do Fisco de maio a setembro de 2019. Planilhas do sistema de entrada e saída do Planalto, obtidas pela reportagem via Lei de Acesso à Informação, mostram que o então chefe de inteligência da Receita entrou pela primeira vez no local no dia 9 de julho de 2019, primeiro ano da gestão Bolsonaro (2019-2022). Os documentos, porém, não informam o destino específico dentro do palácio.

No dia seguinte, 10 de julho de 2019, Feitosa fez nas bases da Receita os primeiros acessos ilegais e copiou em PDF dados fiscais sigilosos do então procurador-geral de Justiça do Rio Eduardo Gussem (coordenador das investigações do caso das "rachadinhas", cujo alvo principal era Flávio Bolsonaro, filho do presidente), do ex-ministro Gustavo Bebianno e do empresário Paulo Marinho, políticos que eram próximos, mas haviam rompido com a família presidencial.

Seis dias depois, em 16 de julho de 2019, Feitosa fez novo acesso ilegal aos dados de Bebianno e Marinho nas bases do Fisco, vasculhando dessa vez também os dados da mulher do empresário, Adriana Marinho. Às 17h45 deste mesmo dia, 16 de julho, o então chefe na Receita voltou ao Planalto, mas dessa vez as planilhas registraram que ele teve como destino o gabinete de Heleno, um dos ministros mais próximos a Bolsonaro.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, Feitosa acessou os dados fiscais sigilosos do chefe do Ministério Público do Rio e dos políticos desafetos da família Bolsonaro sem que houvesse nenhuma motivação formal para isso, atitude que não é permitida pela lei.

A Receita abriu uma investigação interna em 2020 e o caso está atualmente na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional com a recomendação de demissão de Feitosa do serviço público. A decisão final cabe ao ministro Fernando Haddad.

Os dados do sistema de registro de entradas e saídas do Planalto obtidos agora pela Folha mostram que Feitosa entrou nove vezes na sede do governo com registro na portaria, no período em que chefiou a inteligência do Fisco. Em três dessas ocasiões há menção de que o destino era o gabinete de Heleno, mas nas outras seis não foi informado destino específico dentro do palácio.

OUTRO LADO

O general Augusto Heleno afirmou que nunca teve conhecimento de acessos ilegais na Receita Federal de dados sigilosos de desafetos de Bolsonaro. Ele disse que o encontro registrado em sua agenda com Feitosa e o então secretário da Receita, Marcos Cintra, em junho de 2019, foi possivelmente uma visita de cortesia. "Sempre tive ótimo relacionamento com o dr. Marcos Cintra. Fora isso, o GSI é a cabeça do Sistema Brasileiro de Inteligência", afirmou.

Sobre as idas de Feitosa ao Palácio do Planalto e ao GSI exatamente no período em que o chefe da inteligência da Receita promovia a devassa contra adversários do presidente, Heleno afirmou não se lembrar dessas visitas. "Não me lembro dele nem do que o teria levado ao meu gabinete. Pode ter sido recebido por qualquer dos meus adjuntos", afirmou.

A Folha não obteve resposta de Frederick Wassef, advogado que representa Bolsonaro. A defesa de Feitosa disse que iria tentar contato com o cliente na manhã desta segunda-feira (13), mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.

Por meio de mensagens de texto, Marcos Cintra também disse desconhecer os acessos imotivados feitos por seu então subordinado e afirmou que o encontro de junho que teve com Feitosa no gabinete de Heleno ocorreu para que o novo chefe da inteligência do Fisco fosse apresentado ao ministro.

Questionado se nessa reunião teria sido falado algo sobre investigação de dados de Bebianno, Marinho ou Gussem, Cintra respondeu: "Nada. Naquele momento se discutia o atentado [cometido no ano anterior por Adelio Bispo contra Bolsonaro] e pedido feito à Receita Federal para ver origem do pagamento ao advogado do Adelio Bispo".

Cintra disse também que havia discussão sobre as investigações sobre vazamentos de dossiês de dados fiscais de ministros de tribunais superiores e suas esposas.

Questionado sobre como se deu essa discussão, Cintra afirmou que houve apenas uma conversa informal e genérica, porque eram assuntos que estavam sendo noticiados pela imprensa.

"Você perguntou se falamos sobre a pesquisa do Feitosa. Não. O mais provável é que falamos sobre esses assuntos gerais. Foi uma visita de apresentação, sem pauta."