SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Eleita em 2016, quando a onda de renovação política que atingiria a política brasileira dois anos depois ainda começava a ganhar forma, a Câmara Municipal de São Paulo é formada majoritariamente por vereadores vitoriosos em mais de uma eleição para o legislativo municipal.

Dos atuais ocupantes das 55 cadeiras, apenas 19 (35%) estão no primeiro mandato. O número é significativamente inferior ao índice de renovação de 47% da Câmara dos Deputados em 2018. Tendência que pode chegar agora a São Paulo, constatam (e lamentam) alguns vereadores.

A polarização de tucanos versus petistas, que marcou a história política do Brasil nas últimas décadas e tem perdido força em escala federal, subsiste na capital paulista.

Na Câmara, o PSDB, partido do prefeito Bruno Covas, tem a maior bancada, com 12 vereadores, acompanhado de perto pelo PT, que tem nove.

Ao todo, os vereadores aprovaram 1.095 projetos de lei a contar de janeiro de 2017, desde propostas mais significativas, como a privatização de equipamentos públicos da cidade, até as numerosas denominações de ruas e homenagens a figuras ilustres (e outras nem tanto).

A atual legislatura pode ser dividida em dois momentos, com João Doria (PSDB) como prefeito e Milton Leite (DEM) como presidente da Câmara (2017-2018), e com Covas no Executivo (a partir de abril de 2018) e Eduardo Tuma (PSDB) à frente da Casa (2019-2020).

Um dos principais cabos eleitorais de Doria em 2016, Leite, vereador da zona sul que foi o segundo mais votado em 2016 (atrás apenas do petista Eduardo Suplicy), fez um pedido em troca de seu apoio: que o tucano não interferisse na eleição do presidente da Câmara caso se tornasse prefeito. Ciente de sua ascendência sobre os colegas, Leite sabia que ganharia com facilidade nesse cenário.

Doria cumpriu sua promessa. Mario Covas Neto (Podemos), à época no PSDB e tio de Bruno Covas, teve apenas um voto, o seu próprio. Leite teve 50.

Milton Leite replicou na Câmara o estilo agressivo que Doria impôs quando assumiu a prefeitura. Em menos de dois anos conseguiram a aprovação da maior parte dos projetos enviados pelo Executivo.

À época, Leite fez valer o apelido de "trator" de opositores, atropelando obstáculos para colocar projetos em votação. Soube costurar acordos com vereadores de todo o espectro político por meio da inclusão de emendas e promessas de votação de seus projetos de lei.

Exímio conhecedor do regimento da Câmara, adotou recursos e atalhos nem sempre ortodoxos, como a inclusão de "jabutis" (artigos que não têm relação com o tema do texto) em projetos e votações em horas avançadas da noite.

Quase todos os projetos do polêmico pacote de concessões e privatizações de equipamentos públicos foram aprovados nesse período: estádio do Pacaembu, parque Ibirapuera (e outros cinco parques), mercados municipais, Zona Azul, complexo do Anhembi.

A oposição (formada por PT e dois vereadores do PSOL), aliada a alguns vereadores pontualmente críticos aos projetos, conseguiu obstruir e adiar votações por alguns meses e mesmo impedir outras nesses primeiros anos.

Impactada pela retórica inflamada de Doria, pela dimensão de seus projetos e a disposição de Leite de colocá-los em votação, a Câmara viveu meses em alta fervura.

O ápice da tensão dos primeiros anos ocorreu dias antes da saída de Doria para concorrer ao governo do estado, em março de 2018, quando o então prefeito tentou fechar sua passagem com a aprovação de uma reforma municipal da Previdência.

O formato da proposta (mais radical do que a que seria aprovada posteriormente), a relação tensa de Doria com os servidores e a tentativa de aprovar um projeto de enorme repercussão em tempo reduzido desembocaram no ponto crítico da legislatura.

Em fevereiro e março de 2018, cenas de violência policial contra professores que protestavam contra a reforma da Previdência se repetiram. Servidores vandalizaram o prédio da Câmara, chutaram portões e quebraram vidraças, ao som do estouro de bombas de efeito moral. Milhares cercaram a sede do Legislativo no centro de São Paulo.

Em 27 de março, um dia após Doria anunciar na TV Globo que tinha os votos para que sua reforma fosse aprovada, o projeto foi retirado da pauta por decisão de Leite e dos vereadores da base do prefeito, que preferiram negociar com o servidores nos meses seguintes. A derrota impediu o tucano de levar a reforma como trunfo em sua campanha para o governo.

Ela seria aprovada em dezembro do mesmo ano, no último ato de Leite, que foi criticado por colocar o projeto em votações em 22 e 26 de dezembro, durante o recesso dos servidores.

Leite construiu sua trajetória na Câmara como interlocutor preferencial de grupos da construção civil e, especialmente, empresas de transportes. Em 2017, encabeçou projeto de lei que determinou que em dez anos (2027), os ônibus da cidade terão de reduzir em 50% a emissão de CO2. Em 20 anos, a redução terá de ser de 100%.

A tramitação do projeto teve a marca de seu estilo.

Uma lei de 2009 previa frota 100% limpa já em 2018. Como a meta estava muito distante de ser cumprida, tornou-se necessária a aprovação de um novo texto.

Criticado por supostamente defender uma versão favorável às empresas de transporte e que facilitaria a poluição na cidade, Leite recebeu associações como Greenpeace e Cidade dos Sonhos e incorporou sugestões. Entregou um texto que foi considerado parcialmente satisfatório pelos ambientalistas.

Minutos antes da votação, foi acusado por Gilberto Natalini (sem partido), coautor do projeto, de tentar dar um golpe e incluir emenda segundo a qual as empresas de ônibus que não cumprissem as metas não precisariam pagar multas, mas investir em compensação ambiental.

Se for reeleito, em 2021 Leite deverá tentar voltar à cadeira da presidência da Câmara.

O segundo momento da atual legislatura teve início com a chegada do tucano Tuma à presidência, em 2019.

Tuma é egresso das fileiras das famílias tradicionais da política paulistana, assim como Covas. Ele é sobrinho de Romeu Tuma, ex-senador, e filho de Renato Tuma, ex-secretário municipal e criador da Guarda Municipal.

Com os planos mais polêmicos da gestão tucana já aprovados no Legislativo, a gestão de Tuma teve perfil mais diplomático e apareceu por meio de projetos de vereadores, como as recentes propostas de plebiscito para discutir o destino do Minhocão, de Caio Miranda (DEM), ou de liberar publicidade no topo de edifícios, do próprio Tuma, ainda não votada.

Apenas quatro projetos de lei foram rejeitados em votações na Câmara entre 2017 e 2020 -um equilíbrio administrado pelos presidentes e mantido por meio do compromisso de colocar em votação uma cota igual de projetos de cada um dos vereadores.

Em setembro de 2019, Tuma articulou a aprovação de projeto de anistia para imóveis irregulares na cidade de São Paulo. Foi sancionado com a expectativa de que mais de 750 mil famílias com construções irregulares regularizem suas casas ou comércios.

Elaborado pelo Executivo, o projeto foi bastante modificado pelo Legislativo, principalmente por Tuma. Os vereadores eliminaram a ideia de cobrança retroativa de IPTUs, por exemplo. O texto foi aprovado com 52 votos favoráveis e três ausências.

Se o Executivo conseguiu que quase todos os projetos nos quais tinha interesse fossem votados na Câmara, os vereadores tiveram papel importante ao qualificá-los por meio de modificações e vetos.

Doria sofreu forte resistência ao enviar textos apelidados de "x-tudos". Seus projetos só foram aprovados após alterações relevantes.

Evangélico, Tuma é o principal líder de bancada religiosa de 17 vereadores na Câmara --outro deles é o católico Ricardo Nunes, vice na chapa de Covas.

A inclusão da isenção de taxas de regularização para igrejas e templos religiosos no projeto de lei da anistia de imóveis partiu de Tuma, que repetidas vezes como vereador atuou em favor dessa parcela do eleitorado. O que ele não nega, ressaltando o caráter social dos serviços prestados pelas instituições.

Em 2019, ele promoveu a transformação de uma sala de reunião em espaço para cultos religiosos na Câmara.

Uma das criações de Tuma, o plenário virtual, implementado no começo do ano com o propósito de abrir a Câmara para um público mais amplo e diminuir custos da TV Câmara, acabou se tornando um dos trunfos da gestão.

A ideia inicial era gastar menos tempo em votações de homenagens e denominações de ruas, menos relevantes.

Com a pandemia, a estrutura já montada foi importante para a continuidade das atividades. No período foi votada a redução de 30% dos salários de vereadores e de verbas de gabinete e o encaminhamento dos valores à prefeitura.

Em número bastante reduzido em relação aos cerca de 40 vereadores da base do Executivo, a oposição teve força quando conseguiu apoio popular para fazer pressão, avalia Antonio Donato (PT), líder do grupo nos dois primeiros anos. Foi assim na contraposição aos projetos de privatização e de reforma da previdência, principalmente.

"Doria cultivava uma postura agressiva com a oposição, e a gente não podia deixar barato. Nesse período, o Milton Leite incorporava o Executivo. O Covas, oriundo do parlamento, entende melhor a dinâmica, e não enviou grandes projetos para que entrássemos em conflito", diz Donato.

"A gestão tucana foi medíocre. Com ampla maioria, aprovaram os projetos, mas não tiraram quase nada do papel", afirma.

O vereador mais longevo, na Câmara desde 1989, é da bancada de oposição.

Arselino Tatto (PT) está em seu oitavo mandato. Teve 20 projetos aprovados nesta legislatura, boa parte sobre datas comemorativas e nomes de ruas, especialmente na região da Capela do Socorro, reduto eleitoral da família conhecido como "Tattolândia".

Um irmão, Jilmar, é o candidato petista à prefeitura. Outro, Jair, é vereador na Casa e está no segundo mandato.

O orçamento da Câmara variou de R$ 620 milhões para R$ 696 milhões entre 2017 e 2020, o que a coloca no mesmo patamar de grandes secretarias municipais, como a de Segurança Urbana (R$ 693 milhões) e Urbanismo e Licenciamento (R$ 704 milhões).

Uma das bandeiras de Leite e Tuma, nos últimos anos, foi o enxugamento de gastos do Legislativo. Em 2019, a Câmara devolveu R$ 124 milhões à Prefeitura.

Cada um dos 55 vereadores conta com 18 cargos de livre indicação para o seu gabinete. Atualmente, a Câmara tem 410 funcionários efetivos e 1.082 nomeados por vereadores. No total, 2.050 funcionários no quadro de pessoal.

Os vereadores têm salário de R$ 18.990. Eles dispõem de uma verba anual de cerca de R$ 310 mil (R$ 25 mil por mês) cada para gastar em encargos de gabinete, como serviços gráficos, telefone, correios, assinaturas de jornais, deslocamentos por toda a cidade e materiais de escritório.

Em 2019, quase R$ 14 milhões foram investidos nessas despesas. Em 2020, R$ 7,5 milhões foram gastos até agosto.

A Câmara já disponibilizou R$ 176 mil para cada vereador no ano. Dez deles gastaram mais de R$ 170 mil -Edir Sales (PSD) e Ricardo Teixeira (DEM) chegaram ao limite máximo, e Gilson Barreto (PSDB) não chegou lá por R$ 5.

Celso Jatene (PL) não gastou nada da verba disponível. Fernando Holiday (Patriota), R$1.305, e Milton Leite, R$ 39.268, foram os que menos gastaram no ano.