Diz a sabedoria popular que nem tudo que reluz é ouro, assim como nem tudo o que se lê na internet é verdade. No ambiente digital, por trás do teclado, muitos usuários se sentem à vontade para dizer o que querem ou para espalhar a “verdade” que os interessar. Essas “realidades” criadas podem ser chamadas de fake news. As notícias falsas, muitas vezes, são dissipadas sem autoria e substituem o que de fato existe. Na política, então, a prática pode ganhar um uso ainda mais perverso, com o objetivo de ludibriar a população e alcançar ganhos eleitorais. Atualmente, a Câmara dos Deputados segue com uma série de debates virtuais, desde o último dia 13, sobre o assunto para encaminhar o futuro do projeto. Estão previstas 10 reuniões com diversos setores da sociedade.

O texto é originário no Senado, quando foi aprovado em 30 de maio, mas tem trechos vistos com alguma desconfiança pelos deputados. O principal motivo está no artigo 10, que prevê a permissão de detectar os perfis de disparo das notícias em massa, dessa forma determinando quem é o autor. Tal ponto é visto como uma possível violação do direito ao sigilo à informação e à liberdade de expressão. O presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), já deixou claro que a Casa irá dar seu toque no projeto. “É um debate no momento certo e que precisa ser ampliado, a partir do ponto aprovado no Senado”, destacou Maia.

AGOSTO

A expectativa do coordenador informal dos grupos escolhido por Maia, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), é de que o projeto seja votado ainda em agosto, mas a definição do prazo deve ser debatida ainda com os líderes partidários. “O presidente Rodrigo Maia já determinou a urgência. Ele nos comunicou que quer uma tramitação rápida, mas não com atropelos. Por isso, a visão dele, que nós estamos praticando, é a construção de um diálogo social”, explica Silva, que garante que o projeto do Senado chegou cheio de boas intenções e que será a base para os trabalhos.

A discussão sobre privacidade é defendida por Orlando Silva, que entende ser necessária a moderação na construção das ideias. “A crítica às plataformas faz com que se exija mais delas. E exigir, por exemplo, mais moderação das plataformas pode permitir que elas criem uma espécie de sistema de censura privada”, diz. Outra defesa do parlamentar passa pelo que diz respeito ao acesso aos dados dos usuários. “Essa ideia de fazer uma coleta geral de dados para, quando for preciso, usar numa investigação é, na prática, uma perspectiva de estado vigilantista, ‘big brother’, o Estado que a todos controla e monitora”, explica ele à FOLHA.

CONTRA

Na bancada do Paraná na Câmara dos deputados, a discussão sobre o projeto de combate às fake news divide opiniões. O vice-líder do governo, Diego Garcia (PODE), é contrário ao projeto. No ponto de vista do parlamentar, termos como “completamente forjado”, “usos legítimos” e “padrões tecnológicos abertos” servem para limitar a liberdade de expressão e permitir perseguição ideológica. “O que se quer, e já está acontecendo, é uma perseguição a diversas contas e perfis conservadores, baseada em uma questão claramente ideológica. Inclusive, como é o caso da CMPI das Fake News. Uma perseguição a uma opinião contrária ao grupo de oposição do governo”, diz Garcia.

Imagem ilustrativa da imagem Câmara admite mudanças em projeto das fake news aprovado no Senado
| Foto: Luís Macedo/Câmara dos Deputados

Contrário ao controle por meio do Estado, Garcia acredita que criar agências de checagem de fatos representa uma espécie de tutela para a população. Sendo que a principal forma de combate às notícias falsas é pela educação. “Isso implica conhecer os limites da ciência e do método científico, em saber reconhecer uma matéria enviesada, pelo respeito ao contraditório, o que inclui não chamar todo mundo de fascista”, aponta o deputado, para quem as fake news sempre existiram e sempre vão existir. “A educação nos ajuda a reconhecer o que pode ser verdadeiro ou não e, em todos os casos, respeitar a liberdade de expressão, mesmo quando pensam diferente de nós, pois a liberdade de expressão é base da nossa Constituição e dos regimes democráticos”, afirma à FOLHA.

DEBATE

Num olhar oposto, o líder do PT na Câmara, o deputado maringaense Ênio Verri diz ter a preocupação com o tema não só no ambiente político. Ele lembra do papel fundamental que informações erradas têm causado durante a pandemia da Covid-19. “As fake news provaram ser um instrumento muito perigoso sobre a utilização de remédios. Podemos ainda ver o uso de denúncias falsas sobre as pessoas”, lembra. Por isso, ele apoia que o Legislativo tenha uma posição e encare o problema por meio de debate profundo para encontrar uma solução capaz de moralizar o tema. “A questão não são as notícias, mas sim as falsas. É preciso que haja o maior número possível de ideias, debates e transparência, mas sobre a verdade. Nesse sentido, vejo a iniciativa do Senado como positiva, embora tenha riscos”.

Sob a perspectiva da Constituição, a defesa é de que a população é livre para se expressar, independentemente do posto que ocupe na sociedade. No entanto, o necessário é que não ultrapasse o limite das ofensas ou do que é descrito como crime. Para Verri, não se pode alcançar um limite que não restrinja as opiniões. “Temos que votar algo que seja maduro, permita a livre opinião das ideias, que torne as redes sociais num instrumento democrático de conhecimento e de informações e cumpra o papel que todo mundo sonhava de melhorar a vida das pessoas e, ao mesmo tempo, achando alternativas que possam eliminar o que acontece hoje”, conclui à reportagem.

Pesquisador defende ações como em demais meios

O professor e pesquisador Sylvio Barbon Junior, do departamento de Ciência da Computação da UEL (Universidade Estadual de Londrina), estudioso das redes sociais, avalia que os parlamentares devem ter como foco central do debate a preocupação com os prejuízos causados para a sociedade. “O foco deve ser garantir a visibilidade da origem da informação, pois, pela origem, podemos considerar a veracidade da informação e responsabilização por qualquer viés empregado”, defende. Ele avalia que as notícias falsas são mais nocivas quando apresentadas em um contexto de notícias legítimas, dissuadindo indivíduos que acreditam na informação por considerá-la bem fundamentada pelo histórico da fonte.

Um amplo debate vem sendo travado nos últimos anos a respeito do conteúdo da internet e da responsabilidade sobre ele. No entanto, o especialista da UEL lembra que, independentemente do meio de comunicação, o importante é pensar sobre o conteúdo. “Todos usam o telefone sem um regulamento sobre o que está sendo falado. Cada um tem liberdade para falar e escutar o que quiser, desde que não seja ilegal. A ilegalidade não deveria estar na Internet ou como ela é usada, mas sim no crime relacionado àquele que a usa e seu fim. Temos grampo em telefone para ser prova contra um crime. Certamente podemos usar um grampo em Internet para punir um criminoso”, opina.