Ouvidorias são os órgãos de empresas e da administração pública responsáveis pelo recebimento, análise e encaminhamento de denúncias, reclamações, elogios, sugestões e pedidos de informação. No Brasil, ganharam força no poder público a partir do restabelecimento da democracia, na década de 1980. Há 20 anos, o País não possuía ouvidorias públicas – a primeira foi implantada na Prefeitura de Curitiba, em 1986. Hoje, a situação é bem diferente. Em debate realizado no Senado em novembro do ano passado, o ouvidor-geral da União, José Eduardo Romão, estimou que o Brasil possuía cerca de 3 mil ouvidorias públicas. Apenas no Poder Executivo Federal, o número de ouvidorias aumentou de 40 para 285 entre 2003 e 2013.

Após crescer em quantidade, as ouvidorias públicas brasileiras precisam evoluir em qualidade. Um levantamento feito em 2013 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a partir de uma amostragem de 98 ouvidorias públicas mostrou que a atuação desses órgãos ainda fica a desejar no Brasil. No final de 2012, grande parte das ouvidorias federais, estaduais e municipais pesquisadas estava devendo respostas para denúncias, solicitações e reclamações enviadas por cidadãos (veja gráfico). Apenas 36% das ouvidorias federais e 33% das estaduais e municipais realizavam pesquisas de satisfação sobre o atendimento prestado.

Especialistas ouvidos pela FOLHA pregam mecanismos de escolha dos ouvidores e de funcionamento das ouvidorias que gerem mais independência e eficiência no trabalho desses órgãos. De acordo com a pesquisa do Ipea, no ano passado 74% dos ouvidores federais e 67% dos estaduais e municipais estavam no cargo por nomeação dos gestores. Os que eram escolhidos por outros mecanismos, como eleição por colegiado independente e seleção a partir de lista tríplice, eram minoria.

Rubens Pinto Lyra, professor do programa de pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e um dos fundadores da Associação Brasileira de Ouvidores (ABO), diz que o Brasil precisa estruturar um sistema nacional de ouvidorias públicas, para que esses órgãos tenham mais autonomia no seu funcionamento.

"Hoje, as ouvidorias na sua grande maioria são constituídas de cargos comissionados e estão atreladas a um sistema de subordinação. A vinculação administrativa é algo que existe até entre os ombudsmen europeus. A diferença está no grau de autonomia que eles possuem. Os europeus são totalmente independentes", avalia Lyra. "No Brasil, as nomeações (de ouvidores) seguem critérios políticos e partidários. As ouvidorias existem em muitos lugares. É fato que milhares de pessoas são atendidas, ficam satisfeitas. Mas a situação está muito longe do que poderia ser. Em muitos casos, se fizer qualquer careta, o ouvidor é demitido."

O advogado Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes, professor do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e ouvidor de Curitiba durante a primeira experiência de uma ouvidoria pública no Brasil, entre 1986 e 88 (veja box), diz que o País tem hoje "um quadro muito heterogêneo de ouvidorias". "Temos desde as que são pouco mais do que um balcão de reclamações até algumas que estão próximas do perfil ideal, que seria o do ombudsman. Mas estas são minoria", lamenta.

"O que acontece é que muitas ideias internacionais, quando são implantadas no Brasil, recebem uma espécie de ‘vestimenta tupiniquim’. No caso das ouvidorias, elas hoje servem mais como um instrumento de legitimação política do que para atender ao interesse do cidadão", afirma Gomes, que diz que a subordinação ao gestor em muitos casos inviabiliza a atuação do ouvidor público no Brasil. "Como o ouvidor vai agir em defesa do cidadão prejudicado pela prefeitura se ele próprio tem um cargo comissionado, nomeado pelo prefeito?", indaga.

O advogado aponta dois caminhos para solucionar esse problema: a criação de uma lei orgânica nacional das ouvidorias públicas, que determinaria seu funcionamento e mecanismos para uma atuação independente, e o estabelecimento de uma rede de ouvidorias públicas.

Imagem ilustrativa da imagem Busca por independência desafia ouvidorias públicas