Brasília - No relatório final sobre a trama golpista, a Polícia Federal concluiu que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados deixaram o Brasil no fim de 2022 para evitar uma prisão e aguardar o desfecho dos atos golpistas no dia 8 de janeiro de 2023.

Segundo a PF, Bolsonaro tinha conhecimento dos atos do 8 de janeiro e mantinha contato com os financiadores dos acampamentos em frente aos quartéis.

"Apesar de não empregado no ano de 2021, o plano de fuga foi adaptado e utilizado no final do ano de 2022, quando a organização criminosa não obteve êxito na consumação do golpe de Estado. Conforme será descrito nos próximos tópicos, Jair Bolsonaro, após não conseguirem o apoio das Forças Armadas para consumar a ruptura institucional, saiu do país, para evitar uma possível prisão e aguardar o desfecho dos atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023 ( "festa da Selma")", diz um trecho do relatório final da PF.

Para sustentar a alegação do conhecimento de Bolsonaro sobre o 8 de janeiro, os investigadores da PF usam uma troca de mensagens do então ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, com o também militar Sérgio Cavaliere --ambos indiciados.

Segundo o relatório da PF, em um diálogo realizado em 4 de janeiro de 2023, Cavaliere questiona Cid se há algo para acontecer. Em resposta, o então ajudante de ordens de Bolsonaro encaminha duas mensagens que foram apagadas e complementa que é algo "bom".

"No dia 04/01/2023, Cavaliere pergunta se "Ainda tem algo para acontecer?", referindo-se, possivelmente, a uma ruptura institucional. Mauro Cid encaminha duas respostas, que foram apagadas. Diante do conteúdo das mensagens apagadas, Cavaliere indaga: "Coisa boa ou coisa horrível?" e em seguida diz: "Bom". Mauro Cid em resposta à pergunta de Cavaliere diz: "Depende para quem. Para o Brasil é boa", diz o relatório da PF sobre o diálogo.

A PF afirma ainda que núcleos próximos de Bolsonaro mantinham frequentes contatos com os financiadores dos acampamentos em frente aos quartéis que culminaram no atos do 8 de janeiro.

Bolsonaro apresentou minuta de golpe a comandantes das Forças Armadas, diz PF

Demétrio Vecchioli

Folhapress

Brasília - Foi o próprio Jair Bolsonaro (PL), então presidente da República, quem apresentou em 2022 a minuta do golpe aos comandantes da Forças Armadas, de acordo com a Polícia Federal.

No relatório, a PF diz que o general Marcos Antonio Freire Gomes, então comandante do Exército, afirmou como testemunha que "participou de reuniões no Palácio do Alvorada após o segundo turno e que Bolsonaro apresentou hipóteses de utilização de institutos jurídicos como GLO (Garantia da Lei de Ordem), Estado de Defesa e Estado de Sítio."

No depoimento, Freire Gomes afirmou também que foi convocado por Bolsonaro, por meio do então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, a comparecer a reunião no Alvorada no dia 7 de dezembro.

O comandante do Exército confirmou a presença de Nogueira, do comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, e do então assessor para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins.

Freire Gomes confirmou que, durante a reunião, foi apresentado material apreendido no celular do ajudante de ordens Mauro Cid, que decretava estado de sítio e, ato contínuo, uma Operação de Garantia da Lei de Ordem.

"Após a leitura do documento Felipe Martins se retirou da sala, ficando apenas os militares e o presidente Jair Bolsonaro. Por fim, Freire Gomes relatou que o presidente Jari Bolsonaro informou que o documento estava em estudo e reportaria a evolução aos comandantes", diz a denúncia.

A investigação sobre a trama golpista teve seus principais avanços em fevereiro deste ano. A PF realizou na época a maior operação deste caso, mirando Bolsonaro, aliados e militares envolvidos em discussões para viabilizar um golpe de Estado.

Os planos discutidos no Palácio da Alvorada no fim de 2022 miravam a edição de um decreto que anularia o resultado das eleições presidenciais, sob a falsa alegação de fraudes nas urnas eletrônicas.

Em março deste ano, os então comandantes Freire Gomes (Exército) e Baptista Júnior (Aeronáutica) confirmaram que o plano foi apresentado por Bolsonaro. Segundo o brigadeiro, o general Freire Gomes chegou a dizer que prenderia Bolsonaro se ele avançasse com os intentos golpistas.

O lado golpista de Bolsonaro é conhecido de longa data.

Saudosista da ditadura militar (1964-1985), ele reiterou ao longo de anos sua tendência autoritária e seu desapreço pelo regime democrático. Negou a existência de ditadura no Brasil e se disse favorável a "um regime de exceção", afirmando que "através do voto você não vai mudar nada nesse país".

Na Presidência, deu a entender em 2021 que não poderia fazer tudo o que gostaria por causa dos pilares democráticos. "Alguns acham que eu posso fazer tudo. Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo. E apesar de tudo eu represento a democracia no Brasil."

Lula derrotou o então presidente Bolsonaro em 2022 após uma acirrada disputa de segundo turno. Durante seu mandato e após a derrota, o hoje inelegível Bolsonaro acumulou declarações golpistas.

Bolsonaro questionou a legitimidade das urnas, ameaçou não entregar a Presidência a Lula após a derrota eleitoral, atacou instituições como o STF e o TSE e estimulou a população a participar de atos golpistas.