BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) republicou em uma rede social um vídeo que tem sido usado por seus aliados para, de forma falsa, defender que o mandatário teria reagido a uma provocação do repórter de O Globo antes de ameaçá-lo e dizer que tinha vontade de agredi-lo.

O episódio ocorreu neste último domingo (23) quando, em uma visita à Catedral de Brasília, o presidente foi questionado pelo repórter sobre os depósitos de R$ 89 mil que o ex-assessor Fabrício Queiroz e sua mulher fizeram na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Inicialmente, o presidente rebateu perguntando sobre os supostos repasses mensais feitos pelo doleiro Dario Messer à família Marinho, proprietária da Rede Globo.

Segundo a revista Veja, em depoimento no dia 24 de junho, Messer disse que realizou repasses de dólares em espécie aos Marinhos em várias ocasiões a partir dos anos 1990. A família nega qualquer irregularidade.

Após a insistência do repórter sobre os pagamentos à primeira-dama, Bolsonaro, sem olhar diretamente para o repórter, afirmou: "A vontade é encher tua boca com uma porrada, tá?".

Amigo do presidente há 30 anos, Queiroz atuou como assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio, quando o filho do presidente era deputado estadual. Queiroz está em prisão domiciliar e, assim como Flávio, é investigado sob suspeita dos crimes de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro.

Na manhã desta segunda (24) o presidente divulgou em seu canal do YouTube um vídeo que tem sido usado por apoiadores para dizer que o profissional de imprensa teria dito ao presidente "vamos visitar sua filha na cadeia".

Os simpatizantes de Bolsonaro que divulgaram o vídeo dizem que isso teria motivado a resposta do presidente, sugerindo a agressão física contra o profissional.

O vídeo republicado por Bolsonaro não traz legendas e é intitulado "E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará!". Também foi publicado na conta de Facebook do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente e influente na estratégia de mídias sociais do governo.

No vídeo, não consta a pergunta do repórter, mas é possível ouvir a voz de um homem não identificado que diz "vamos visitar nossa feirinha da Catedral?". Em seguida aparece a resposta do presidente: "Vontade de encher sua boca com uma porrada, tá?".

O mesmo vídeo foi utilizado mais cedo pelo portal bolsonarista Terra Brasil Notícias. O site, falsamente, identificou a fala desse homem não identificado como sendo a do repórter e indicou, também de forma falsa, que a pergunta tinha sido sobre a filha do mandatário.

Mais tarde, nesta segunda-feira, o mesmo site publicou uma errata e reconheceu que, no vídeo, não aparecia nem a voz do repórter nem se a pergunta era sobre a filha de Bolsonaro.

Em nota publicada no domingo após o episódio na Catedral, o jornal O Globo repudiou a conduta de Bolsonaro. "O Globo repudia a agressão do presidente Jair Bolsonaro a um repórter do jornal que apenas exercia sua função, de forma totalmente profissional, neste domingo", afirma o texto.

"Tal intimidação mostra que Jair Bolsonaro desconsidera o dever de qualquer servidor público, não importa o cargo, de prestar contas à população", completa a nota.

O presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Marcelo Rech, afirmou ser "lamentável que mais uma vez o presidente reaja de forma agressiva e destemperada a uma pergunta de jornalista". "Essa atitude em nada contribui com o ambiente democrático e de liberdade de imprensa previstos pela Constituição", disse.

As entidades de defesa da liberdade de expressão e de imprensa Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Artigo 19, Conectas Direitos Humanos, Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e Repórteres sem Fronteiras divulgaram nota conjunta para condenar o ato do presidente.

A quebra do sigilo bancário de Fabrício Queiroz, que está em prisão domiciliar, revelou novos repasses à primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Em 2018, em entrevistas após a divulgação do caso Queiroz, Bolsonaro disse que o ex-assessor repassou a Michelle dez cheques de R$ 4.000 para quitar uma dívida de R$ 40 mil que tinha com ele (essa dívida não foi declarada no Imposto de Renda).