São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF) - Cinco dias depois dos atos de raiz golpista encabeçados por Jair Bolsonaro no 7 de Setembro, manifestantes foram às ruas de diversas capitais neste domingo (12) para pressionar pelo impeachment do presidente.

Os protestos, convocados pelo MBL (Movimento Brasil Livre) e pelo VPR (Vem Pra Rua), tiveram adesões na oposição para além da direita, reuniram presidenciáveis que tentam ser a terceira via para 2022, mas não fizeram frente à mobilização bolsonarista no feriado da Independência nem a atos anteriores liderados pela esquerda.

As manifestações atraíram alguns partidos e líderes de esquerda, mas com distanciamento do PT de Lula e resistência de setores que não queriam se unir a grupos que deram impulso ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

Estiveram na avenida Paulista nomes cotados para a disputa ao Planalto em 2022, como Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

Ato contra Bolsonaro na Av. Paulista, em São Paulo, teve diferentes concentrações  e a presença de alguns presidenciáveis
Ato contra Bolsonaro na Av. Paulista, em São Paulo, teve diferentes concentrações e a presença de alguns presidenciáveis | Foto: Charles Sholl/Brazil Photopress/ Folhapress

Dividiram palco nomes de linhas ideológicas distintas, como Isa Penna (PSOL), Tabata Amaral (sem partido), Joice Hasselmann (PSL) e Arthur do Val Mamãe Falei (Patriota).

Em São Paulo, principal termômetro no país, a avenida Paulista tinha à tarde diferentes concentrações, cujos públicos reunidos seriam suficientes para ocupar em torno de três quarteirões. No 7 de Setembro, houve perto de 11, semelhante à estimativa de atos da esquerda em junho.

Pela manhã, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, São Luís, Vitória e Manaus também tiveram protestos com baixa adesão.

No Rio, apesar do mote "Nem Lula nem Bolsonaro", lido nas camisas do Vem pra Rua, não houve consenso entre manifestantes sobre a condenação à Lula, cujo rosto era visto em camisas à venda por ambulantes na orla.

Em discurso, o secretário municipal de Governo e Integridade Pública do Rio e deputado federal licenciado Marcelo Calero (Cidadania-RJ) recusou a comparação.

"Não me venham com falsa simetria. Eu não aceito dizer que o governo do PT foi igual. É mentira. Estivemos em campos opostos, mas todos jogaram a bola da democracia", disse. "Nós não aceitamos esses fascistas, nós não aceitamos esses neo-nazistas", afirmou.

Os atos foram chamados pelo MBL, Vem pra Rua, Livres e partido Novo, e em algumas cidades houve a participação de partidos de esquerda, como o PDT e o PCdoB.

Os protestos deste domingo foram anunciados em 8 de julho, quando setores da oposição a Bolsonaro na esquerda já haviam organizado três grandes mobilizações. Os atos, que já chegaram a cinco desde maio, são feitos pela Campanha Nacional Fora Bolsonaro, que reúne partidos, movimentos e centrais sindicais.

As justificativas de MBL e VPR para não se juntarem às iniciativas do fórum, que é predominantemente de esquerda, foram as restrições impostas pela pandemia de Covid-19 e o baixo percentual de vacinados àquela altura, mas também pesaram divergências políticas e ideológicas.

O tom radical de Bolsonaro e seguidores visto nas ruas na terça, em meio à escalada da retórica golpista com ameaças ao STF, acelerou a aglutinação em torno da manifestação deste domingo, com o diagnóstico de forças políticas sobre a necessidade de uma resposta.

O MBL mencionou como inspiração, ao longo da semana, a pluralidade da campanha das Diretas Já, no fim da ditadura militar (1964-1985), quando antagonistas dividiram palanque em nome da luta por eleições diretas para presidente da República no Brasil.

A lista de partidos engajados na convocação cresceu. Inicialmente referendado pelo Novo e por alas do PSL, o ato passou a ser apoiado também por siglas como PDT, PSB, PC do B, Cidadania, PV e Rede, setores do PSDB e do Solidariedade e membros de legendas como MDB, DEM, PL, Avante e PSOL.

As cúpulas de PT e PSOL, hoje empenhadas na pré-campanha de Lula ao Planalto, decidiram não convocar para a data sob a alegação de que não participaram da construção desde o início, mas tampouco vetaram a presença de filiados.

A deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP), que já foi alvo de fake news do MBL no passado, foi ao ato na Paulista dizendo ser "o momento de furar todas as nossas bolhas e construir uma superbolha, a bolha do impeachment".

"Hoje considero que eles [MBL] estão no campo democrático, até porque apanharam muito", afirmou sobre os ex-defensores de Bolsonaro que se voltaram contra o presidente. "Sei que não são mais aquele grupo que flerta com o fascismo."

Penna, que apareceu com um broche da vereadora Marielle Franco, colega de partido assassinada em 2018, diz que um outro deputado do PSOL chegou a ameaçar apresentar uma sanção contra ela na Assembleia Legislativa paulista.

"Estou aqui para fazer um gesto ousado, coisas impossíveis vão se tornar possíveis", disse sobre sua presença numa manifestação que tenta se viabilizar como uma Diretas Já, unificando campos ideológicos contra Bolsonaro.

O PT disse que irá se engajar nos próximos atos com outras forças políticas, previstos para 2 de outubro e 15 de novembro. Em carta, porém, a sigla afirmou saudar "todas as manifestações Fora Bolsonaro".

O mote "nem Bolsonaro nem Lula", frequentemente pregado por grupos como MBL e VPR, foi atenuado na divulgação dos novos atos, para focar apenas no atual presidente da República. Além da divergência em relação à pregação contra Lula, petistas guardam mágoas com a atuação desses movimentos no impeachment de Dilma Rousseff.

Os discursos golpistas de Bolsonaro na terça aumentaram a pressão de diversos setores pelo impeachment do presidente.

DIÁLOGO PARA FRENTE AMPLA

Siglas como o PSD e o PSDB anunciaram a intenção de debater a adesão ao movimento pró-impeachment. Aliado a isso, essas e outras siglas foram chamadas a dialogar com a esquerda, para a tentativa de uma ação conjunta.

Bolsonaro passou os últimos dois meses com seguidos ataques ao STF e xingamentos a alguns de seus ministros como estratégia para convocar seus apoiadores para o 7 de Setembro, quando repetiu as agressões e fez uma série de ameaças à corte e a seus integrantes. No feriado da Independência, ele disse que não cumpriria mais ordens de Moraes.

Os principais alvos de Bolsonaro sempre foram Moraes e Luís Roberto Barroso. No 7 de Setembro, porém, buscou também emparedar o presidente do STF, ministro Luiz Fux.

"Ou o chefe desse Poder enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos", disse Bolsonaro.

No dia seguinte, Fux rebateu em discurso duro, dizendo que a ameaça de descumprir decisões judiciais de Moraes, se confirmada, configura "crime de responsabilidade".

Na quinta (9), porém, Bolsonaro fez uma mudança de tom, em nota redigida com auxílio do ex-presidente Michel Temer (MDB).

Depois dos seguidos ataques, disse que não teve "nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes" e atribuiu palavras "contudentes" anteriores ao "calor do momento".

"Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar", afirmou.

A nota desagradou bolsonaristas que foram insuflados para a manifestação de 7 de Setembro, mas foi vista apenas como retórica por assessores do presidente, visando acalmar os ânimos.

Embora a situação de Bolsonaro tenha sofrido uma deterioração depois de terça, ele goza de um cenário confortável na Câmara dos Deputados graças à aliança política com o centrão. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), vem barrando a apreciação dos mais de cem pedidos de afastamento.

CONGRESSO

Mesmo com a tímida inclinação da centro-direita a engrossar a pressão pelo impeachment, ainda seria necessária a adesão de pelo menos um dos grandes partidos do centrão para reunir, formalmente, os 342 votos necessários (dois terços do total) para que a Câmara autorize a abertura do processo.

As legendas independentes na Câmara têm 187 deputados. A oposição tem 132, o que dá um total de 319 parlamentares. Soma-se a esse grupo cerca de 20 parlamentares do PSL que ficaram alinhados ao presidente da sigla, Luciano Bivar (PE), no racha que levou à saída de Bolsonaro do partido.

Ou seja, mesmo que não houvesse nenhuma dissidência nesse grupo, faltariam ainda três votos para se chegar aos 342 necessários.