A manifestação na Avenida Paulista, no último domingo (25), mostra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) acuado e com medo de ser preso, mas não deverá mudar o rumo das investigações da suposta tentativa de golpe de estado no país. Para analistas ouvidas pela FOLHA, o ato foi uma tentativa da direita de demonstrar força diante do Supremo Tribunal Federal (STF) e de lançar a ideia de anistia para investigados e condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 – o que poderia beneficiar o próprio Bolsonaro.

Foi o primeiro grande ato de partidários do ex-presidente desde o 8 de janeiro, quando os prédios dos Três Poderes foram depredados em Brasília. Segundo a Secretaria da Segurança de São Paulo, a manifestação teve a presença de 600 mil pessoas, número que foi contestado pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), que indicou cerca de 185 mil participantes a partir de imagens analisadas por um software. Quatro governadores participaram: Jorginho Mello (PL-SC), Romeu Zema (Novo-MG), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP).

Doutora em Direito e professora da Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Amélia Sampaio Rossi avalia que, ao fazer sua demonstração de força, Bolsonaro depôs contra si mesmo. “Depôs contra ele mesmo quando fez menção à ideia de estado de sítio e à existência da minuta (do golpe). É uma contradição, porque quando chamado a depor ele usou seu direito constitucional ao silêncio. Um direito que ele, quando parlamentar, achava inadequado. Tem vídeo dele dizendo que quem usa o direito ao silêncio devia ir para o pau-de-arara."

Para a cientista política Juliana Fratini, a estratégia do ato foi pautar o tema da liberdade como forma de crítica às ações do STF nos processos após o 8 de janeiro de 2023. “Não acredito que a estratégia de convocação tenha sido especificamente dele, mas sim das forças políticas e econômicas que o apoiam. O propósito maior foi pautar a liberdade, sendo essa liberdade um sentimento contrário às ações do STF, o antipetismo e o direito à livre manifestação contra algumas instituições.”

ANISTIA

Em seu discurso, Bolsonaro pediu anistia para os participantes dos atos de 8 de janeiro, reforçando o que prevê um projeto de lei apresentado pelo senador e ex-vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS).

“A anistia só pode acontecer em relação a determinados crimes cometidos. Um projeto de lei é algo absurdo”, afirma Amélia Sampaio Rossi, da PUCPR. Ela lembra que em 2010 o Brasil chegou a ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por causa da Lei da Anistia de 1979, que impediu a investigação de crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985). “Não fizemos a chamada justiça de transição de maneira adequada.”

Ao pedir anistia, o ex-presidente se mostra acuado, avalia a professora da PUCPR. “Foi uma demonstração de força. Ele está acuado, a princípio já existe uma quantidade de provas e inclusive vídeos que depõem contra ele. Ele mesmo depôs contra ele quando se pronunciou sobre a minuta e disse que poderia ter conclamado um estado de defesa e um estado de sítio. São estados de exceção, regrados constitucionalmente. O que ele poderia ter feito é algo contra o dispositivo constitucional.”

Para Juliana Fratini, o pedido de anistia não faz parte de uma tentativa de negociação, mas de uma demonstração de força. “Serve para dialogar e estar bem com seus apoiadores e não para negociar com as instituições de Justiça. Talvez, para fazer algumas pressão para o STF demonstrando que a direita do país é uma força ‘viva’”, diz a cientista política. “Não é um ato de desespero, mas é uma realidade que ele está com medo de ser preso. O ponto é que, devido ao tamanho da manifestação do dia 25, ele conseguiu mostrar que a direita tem força democrática no sentido de ter anseios para disputar eleições, espaços de poder.”

Ela diz não acreditar em mudanças no rumo das investigações dos atos de 8 de janeiro de 2023, sua organização e seus desdobramentos (na quarta-feira, a Polícia Federal deflagrou a 25ª fase da Operação Lesa Pátria, com a prisão de três pessoas). “Não acredito que vá mudar os rumos das investigações. Provavelmente, torne os investigadores mais cautelosos para a realização de investigações cada vez mais assertivas.”

Com país dividido, manifestação deverá ter pouca influência na eleição deste ano

O ato de Jair Bolsonaro na Avenida Paulista não deverá ter grande repercussão nas eleições deste ano, já que a direita tem votos antipetistas consolidados e a disputa eleitoral municipal tende a ser mais pulverizada e ligada a temas locais. “O PT perdeu a maior parte das prefeituras nos últimos anos para partidos de direita”, diz a cientista política Juliana Fratini. “O voto do antipetismo, mais do que consolidado, cresce. Os partidos de direita são mais flexíveis na hora de apresentar novos candidatos com perfis com mais possibilidades de vitória: geralmente homens, brancos, com mais de 40 anos, com ensino superior e casados.”

A doutora em Direito e professora da PUCPR, Amélia Sampaio Rossi, avalia que a polarização entre direita e esquerda já está estabelecida e que o ato terá pouca relevância em termos eleitorais. “A divisão que se estabeleceu se tornou mítica e continua independentemente da manifestação. Ele (Bolsonaro) aumentou o ódio da esquerda. Esquerda e direita conversam, ambas preservam direitos, elas apenas divergem com relação aos caminhos. Quem não conversa são os extremos, e ele é um representante de extrema direita que arregimenta pessoas que pensam como ele. Ou que não pensam.”