O cenário socioeconômico surgido das ações de combate à disseminação da Covid-19 é no mínimo muito delicado. Com a extensão ainda não conhecida, as ações que permitem com que os recursos do cofre da União cheguem aos cidadãos e aos estados e municípios estão se mostrando o primeiro caminho possível para minimizar os impactos na vida das pessoas e na gestão pública dos diversos entes da federação. Há um limite – é claro – da própria capacidade do governo federal em ser o gerador de recursos, mas, como principal arrecadador de impostos e dono da maior fatia das tarifas, é natural que seja o alvo preferencial de pedidos. Não à toa, o Senado aprovou, depois de idas e vindas do que era chamado Plano Mansueto, um projeto de ajuda financeira da União a estados e municípios para tentar reduzir os impactos causados pela crise do coronavírus. A decisão sobre a PLP 39/2020, o chamado Orçamento de Guerra, ocorreu na quarta-feira (6), por sessão remota, num placar de 80 votos a zero. Agora, cabe a sanção presidencial para começar a valer.

A proposta construída pelos senadores alterou bastante o projeto encaminhado pela Câmara, que tinha sido traçado pelo deputado fluminense Pedro Paulo Carvalho (DEM-RJ). A principal questão imposta que vem provocando debate é a contrapartida, por parte dos ajudados, em promover o congelamento de salários de servidores até o fim de 2021. Com aval do Planalto, houve acordo para que não fossem incluídos civis e militares envolvidos com o combate à pandemia, o que possibilitaria uma economia de R$ 93 bilhões. Mas idas e vindas que incluíram a Câmara Federal aumentaram as exceções e os gastos, e a redução de despesas reduziu para R$ 43 bilhões. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já prometeu vetar o trecho do projeto que trata do tema, visto que o próprio governo tinha feito parte das negociações. O projeto ainda suspende as dívidas de estados e municípios com a União, inclusive os débitos previdenciários que venceriam este ano. Este ponto pode gerar um impacto de R$ 60 bilhões à União.

O deputado federal Enio Verri (PT-PR): "Não tinha como votar a favor do congelamento de salários"
O deputado federal Enio Verri (PT-PR): "Não tinha como votar a favor do congelamento de salários" | Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

BEM-VINDA

Ao que mais interessa a prefeitos e governadores, os recursos, o que ficou acertado é que a União irá transferir R$ 60 bilhões, divididos em quatro parcelas mensais. O montante será dividido da seguinte forma: R$ 50 bilhões como compensação pela queda de arrecadação de impostos – sendo R$ 30 bilhões para estados e o Distrito Federal e R$ 20 bilhões para municípios. Os outros R$ 10 bilhões deverão ir para ações de Saúde e Assistência Social, partilhados R$ 7 bilhões para governos estaduais e R$ 3 bilhões para as prefeituras. A proposta foi bem recebida pelo governo do Paraná. “O projeto é importante, ajudou o Estado a recompor as perdas, em especial do ICMS. Apesar de o valor não ser suficiente, vemos a proposta de forma muito positiva”, avalia o chefe da Casa Civil, Guto Silva. O governo Ratinho Junior (PSD) avalia que o déficit causado pela crise provocada pelo coronavírus deve ser de R$ 2,3 bilhões. A ajuda federal prevista para o estado é de R$ 1,7 bilhão.

Já em Londrina, a perda ainda não está completamente estimada, mas, segundo dados da Fazenda Municipal, a arrecadação em abril é aproximadamente 36% menor do que o mesmo período do ano passado, numa cifra de R$ 25 milhões. O secretário que cuida das finanças na cidade, João Carlos Perez, também vê o auxílio como fundamental, apesar de que o recurso não deva cobrir todo o prejuízo previsto. “Durante o último mês, cada dia parado nos fez perder R$ 1 milhão por dia. Avaliamos que ao longo do ano o total de perdas será algo em torno de R$ 100 milhões e a ajuda federal deve ser de R$ 72 milhões. Esse cálculo não dá para ser exato porque é impossível medir o tamanho da crise ainda”, avalia Perez. Segundo o secretário, o município vem adotando um rol de medidas de proteção e contingenciamento. Mas, apesar da gravidade, o governo de Marcelo Belinati (PP) trabalha com a expectativa de que não haverá prejuízo nas áreas de Assistência Social e Saúde.

Na AL (Assembleia Legislativa do Paraná), mesmo a oposição ao governo do estado recebeu o projeto de ajuda como uma vitória do Legislativo Nacional. O deputado Requião Filho (MDB) acredita que, apesar de Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, adotarem uma política austera, o Congresso Nacional olhou para os brasileiros. “Aos municípios paranaenses, o repasse será de R$ 163 milhões vinculados à Saúde e R$ 1,1 bilhão para livre aplicação. Ao Estado do Paraná, coube o aporte de R$ 261 milhões para saúde pública e R$ 1,7 bilhão desvinculado. Resta agora saber se o governador Ratinho Junior vai se utilizar desses recursos para auxiliar aqueles que mais precisam ou se irá continuar dando dinheiro aos mais ricos”, disparou o parlamentar, que disse que se manterá como o fiscal do uso dos recursos.

DISCUSSÃO

Apesar da receptividade dos governos, que já sentem o temor da falta de recursos para cumprir as suas funções fundamentais e fazer o pagamento da folha de funcionários, o debate entre parlamentares não é consenso. Não há quem discorde da necessidade, mas os termos do acordo provocam questionamentos. Como a do líder do PT na Câmara, o deputado maringaense Ênio Verri. “Como há desespero para pagar a folha diante dessa pandemia gigantesca, não tinha como votar a favor de congelamento de salários. Não foi simples, mas todos nós da oposição deliberamos para votar favorável para entregar os recursos já no próximo dia 15. Era urgente”, expõe o parlamentar, que amplia sua crítica em relação ao governo Bolsonaro. “Minha preocupação se baseia num problema simples. O presidente não enxerga a pandemia como um problema sério. Do que ele anunciou até agora, somente 11% chegou na mão dos interessados. Governadores e prefeitos estão desesperados porque a crise está no colo deles e não do governo federal”, critica.

No Senado, o paranaense Oriovisto Guimarães (PODE-PR) defende que a ajuda é fundamental, mas que não pode se transformar em algo ainda maior para a União. “Quero deixar claro que ‘perseguir’ servidores públicos, como tenho escutado, não é desejo de nenhum parlamentar. A economia brasileira não vai sobreviver com tanto déficit e, por isso, todos precisamos ajudar no encurtamento dessa dívida, para que as consequências futuras não sejam tão desastrosas”, defende Guimarães. Ele tem como defesa a redução das despesas do setor público para compensar todas as dívidas que os governos estão fazendo durante a crise. Da mesma forma pensa Alvaro Dias, líder do Podemos. “É preciso colocar o pé no freio das despesas. A ajuda é mais que necessária, mas vou continuar com minha proposta de enxugamento da máquina pública e do número de políticos. Da diminuição dos parlamentares municipais, estaduais e federais. Reduzir o número de partidos, o fundo eleitoral. O Brasil não pode desperdiçar. Temos que colocar nossos esforços para melhorar as condições de vida de todos”, conclui.