Imagem ilustrativa da imagem Aprovação da reforma tributária mostra isolamento de Bolsonaro e “volta à normalidade”
| Foto: Gustavo Padial/ Folha Arte

A aprovação da reforma tributária na Câmara dos Deputados, nesta semana, mostrou perda de força do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sinalizou que uma direita menos radical poderá ganhar espaço até as próximas eleições. Apesar das dificuldades enfrentadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para manter uma base sólida no Legislativo, a proposta apoiada pelo governo foi aprovada em primeiro turno, na quinta-feira, com 382 votos favoráveis e 118 contrários. A aprovação em segundo turno teve 375 votos favoráveis.


Na quarta-feira, Bolsonaro divulgou um texto pedindo votos contrários à PEC (Proposta de Emenda Constitucional). Ele disse que todos os eleitos com as bandeiras de “Deus, Pátria, Família e Liberdade” deveriam votar contra e afirmou que, se fosse deputado, “votaria contra tudo que viesse do PT”. No dia seguinte, o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), chegou a ser interrompido pelo ex-presidente durante um encontro do PL quando falava sobre o tema e acabou vaiado. Tarcísio, que teve reuniões para negociar alterações na proposta, defendeu a aprovação.


Apesar dos esforços de Bolsonaro, 20 parlamentares de seu partido, o PL, votaram a favor da reforma (95 foram contra). Os dois partidos que apoiaram a reeleição do ex-presidente no ano passado, PP e Republicanos, votaram majoritariamente a favor da proposta. No PP, 40 deputados votaram a favor e seis foram contra; no Republicanos (partido de Tarcísio), 36 apoiaram a reforma e somente três foram contrários.

PERDA DE FÔLEGO


Para cientistas políticos ouvidos pela FOLHA, o posicionamento claro de Bolsonaro em relação ao tema e o resultado da votação mostram perda de fôlego e isolamento do ex-presidente. Ao mesmo tempo, o nome de Tarcísio de Freitas pode aparecer como uma opção para a direita na eleição presidencial de 2026. A votação também mostrou, mais uma vez, o poder do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

“O processo evidencia uma perda de fôlego do Bolsonaro, da figura individual do ex-presidente, um isolamento. Partidos de direita como o Republicanos explicaram seu posicionamento e apontaram a aprovação como uma vitória”, disse o doutor em Sociologia Política e professor universitário Rodrigo Horochovski. “É uma vitória do governo, do Arthur Lira e eu diria de uma liderança emergente da direita, que é o Tarcísio. E uma derrota muito grande para o Bolsonaro. A aposta se revelou ruim para ele”.


Para Horochovski, a votação foi um jogo de “ganha-ganha” para Lira e o governo. “O resultado beneficia os dois atores. Vários ingredientes estão presentes, a atuação do Lira, mas também a liberação de verbas, que é uma atividade normal de governo no nosso presidencialismo de coalizão, não tem como ser diferente.”

Doutora em Ciência Política e professora universitária, Karolina Mattos Roeder avalia que a votação sinaliza para uma “volta à normalidade” no cenário político. “No governo Bolsonaro não havia esse diálogo com o Congresso, ele abriu mão de fazer uma coalizão e de ter uma agenda conjunta. Vemos outra forma no governo Lula, de resgate do presidencialismo de coalizão. Claro que ainda temos mecanismos problemáticos, como o caso das emendas pix, a distribuição de emendas de forma pouco transparente em um volume muito maior do que antes dos governos de Bolsonaro e (Michel) Temer.”


A votação, para a cientista política, mostra que há uma cisão no PL e na antiga base bolsonarista, o que poderia ser explicado pela inelegibilidade do ex-presidente e pelo fato de seu discurso radical não ecoar como nos tempos em que era presidente. “Nem todos os deputados do PL são bolsonaristas. Essa votação acabou separando os mais radicais de uma posição mais média no espectro político. Isso ficou bastante claro e a gente pode identificar de fato quem são os bolsonaristas.”

POUCO DEBATE
Para o deputado federal Filipe Barros (PL-PR), reeleito com o apoio de Bolsonaro, a votação evidenciou uma vitória de Arthur Lira, não do governo Lula. “Demonstra mais uma vez a força e o protagonismo do Arthur Lira. Não considero uma vitória do governo, mais uma vez foi uma demonstração do parlamento brasileiro através do Arthur Lira”, disse. “O governo ainda não conseguiu formar uma base na Câmara e aí entra o papel do presidente da Casa. Quem tem maioria é o presidente. Boa parte dos deputados é de centro-direita e tem responsabilidade com o eleitor, pode votar eventualmente nas pautas econômicas, mas as pautas mais ideológicas dificilmente avançarão.”

“Demonstra mais uma vez a força e o protagonismo do Arthur Lira. Não considero uma vitória do governo", diz o deputado federal Filipe Barros (PL-PR)
“Demonstra mais uma vez a força e o protagonismo do Arthur Lira. Não considero uma vitória do governo", diz o deputado federal Filipe Barros (PL-PR) | Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados


Barros disse ter votado contrariamente à reforma tributária por causa da forma como a proposta tramitou. “Não concordo com a forma como ela foi discutida e votada. Foi feito em um grupo de trabalho e não em uma comissão especial. Foi feito de forma açodada, não me sinto confortável em votar rapidamente um relatório com 140 páginas. O correto seria criar uma comissão especial.”


Para o deputado, a votação não representou uma derrota para Bolsonaro, pois manteve a média das votações do PL desde o início do governo Lula. Ele nega que haja algum atrito entre o ex-presidente e Tarcísio de Freitas. “Não existem arestas, apenas divergências que fazem parte do dia a dia da política. Bolsonaro e Tarcísio são aliados de primeira hora”, afirmou Filipe Barros. “O PL tem 99 deputados, de todas as regiões e de diferentes perfis. Desde o início o PL tem uma ala minoritária, em média de 20 deputados, que tem acompanhado o governo nas votações.”


“É o projeto mais importante desde a proclamação da República”, diz Hauly

“O Brasil sofria e continuará sofrendo, até o novo sistema ser implantado, com o pior sistema tributário do mundo, o mais iníquo e injusto do mundo", afirma  Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR)
“O Brasil sofria e continuará sofrendo, até o novo sistema ser implantado, com o pior sistema tributário do mundo, o mais iníquo e injusto do mundo", afirma Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR) | Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

O deputado federal Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), que acompanhou as pautas tributárias ao longo de seus sete mandatos na Câmara, classificou o projeto de reforma tributária como o fato mais importante “desde a proclamação da República”. “O Brasil sofria e continuará sofrendo, até o novo sistema ser implantado, com o pior sistema tributário do mundo, o mais iníquo e injusto do mundo. É um Frankenstein. Ele mata as empresas, mata a livre concorrência, mata os empregos e os salários, mata o poder de compra.”


Para Hauly, o grande avanço é a adoção do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), mecanismo defendido por ele. Com o IVA, cada etapa da cadeia produtiva paga impostos referentes ao valor adicionado ao serviço ou produto. A unificação facilita a fiscalização. “O ponto central é a introdução do IVA, nos moldes de toda a Europa e de 174 países do mundo. Estamos atrasados. É um instrumento de facilitação das regras de comércio entre empresas, que poderão negociar entre si sem os impostos. Elas não terão mais a obrigação de fazer todo o processo declaratório, a apuração e o recolhimento.”


O deputado avalia que uma reforma desse porte só pode ser feita respeitando-se o pacto federativo e um “pacto social”, que impeça o aumento da carga tributária, o que pode ter inviabilizado as discussões nos últimos anos. “Um projeto que remodela e reestrutura todo o capitalismo brasileiro enseja dois pactos. O primeiro é o pacto federativo, onde entram a União, os estados e os municípios. Está na Constituição e temos que dar garantia de que não vamos mexer. Se houver alguma diminuição de arrecadação, a estrutura nacional vai cobrir. E, em segundo, um pacto social de não mexer na carga tributária.”


A PEC agora será analisada pelo Senado. Se sofrer mudanças, voltará para a Câmara. “É importante lembrar que no caso de Reforma Tributária é uma PEC, nenhuma das casas, nem o Senado, nem a Câmara, tem a palavra final. Terá que haver uma concordância entre as duas Casas”, disse o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).

“O Senado vai analisar com muita calma, muita cautela e muita transparência”, avisa o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR)
“O Senado vai analisar com muita calma, muita cautela e muita transparência”, avisa o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) | Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado



Oriovisto dizer ver como certo que haverá alterações. “O Senado vai analisar com muita calma, muita cautela e muita transparência”, afirmou o líder do Podemos na Casa. “O Senado quer deixar nessa reforma um legado para o Brasil. Uma reforma que os prefeitos, ou governadores e os comerciantes entendam.”