A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que acaba com a aposentadoria compulsória para juízes envolvidos em irregularidades ou que pratiquem atos incompatíveis com a função avançou na Câmara dos Deputados na semana passada. Por 39 votos favoráveis, dois contrários e uma abstenção, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou a criação de uma comissão especial para discutir o tema antes da análise pelo plenário. Para entidades que representam os magistrados, a proposta é inconstitucional.

Imagem ilustrativa da imagem Aposentadoria compulsória concentra maioria das punições a juízes
| Foto: Billy Boss/Câmara dos Deputados

O projeto original foi apresentado pelo ex-deputado Raul Jungmann, em 2007. Em 2012, foi apresentado novamente pelos deputados Rubens Bueno (Cidadania-PR) e Arnaldo Jordy (Cidadania-PA). “Demos o primeiro passo. Com isso nós vamos acabar com aquilo que envergonha a Justiça brasileira, juízes criminosos receberem aposentadoria como prêmio. Ou seja: o crime compensa”, afirmou Rubens Bueno.

Bueno lembrou que, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), das 106 penalidades a juízes aplicadas nos últimos 15 anos, 73 foram de aposentadoria compulsória.

A previsão está na Lei Orgânica da Magistratura, explicou o advogado Marco Berberi, mestre e doutor em Direito pela UFPR. “Os magistrados gozam de vitaliciedade no cargo, depois que se aposentam eles continuam magistrados. É uma das garantias para atuar com independência e não ser perseguido”, disse Berberi à Folha. “Hoje parece algo meio anacrônico, o sujeito comete delitos e ao invés de ter o destino que qualquer outro servidor público deveria ter, que é a exoneração, acaba tendo um benefício”.

A punição administrativa é motivada pela prática de atitudes incompatíveis com a função. “São situações ligadas ao decoro, mais ligadas à moral do que ao Direito, que vão contra a liturgia do cargo”, afirmou Berberi. “Há situações em que não se chega à aposentadoria compulsória para juízes que se manifestam politicamente nas redes sociais, por exemplo. Isso pode gerar uma futura parcialidade”.

Atualmente há previsão legal para juízes perderem o cargo em caso de condenação criminal transitada em julgado (para a qual não cabe mais recurso). A PEC inclui entre as causas “a conduta incompatível com a dignidade, a honra e o decoro” das funções. O tema será debatido pela comissão especial que será criada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PL-AL), e terá 40 sessões para elaborar um parecer. Uma vez aprovado, o parecer seguirá para votação no plenário. A PEC também será analisada pelo Senado.

Inconstitucionalidade

A Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) enviou à Folha uma nota, baseada em uma nota técnica emitida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em que diz considerar a PEC inconstitucional. “A Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) ressalta que a referida proposta é formalmente inconstitucional, pois viola frontalmente as regras de iniciativa legislativa privativa”.

Segundo a nota, a PEC trata do regime disciplinar da Magistratura, matéria que estaria reservada a lei complementar de iniciativa privativa do Supremo Tribunal Federal (STF). “Cabe lembrar que o STF já se manifestou no sentido de que não se admite a utilização de emendas como via transversa para que o Legislativo venha a disciplinar matérias reservadas à iniciativa dos outros Poderes”.

A entidade lembrou que a aposentadoria compulsória não é integral. “Cumpre esclarecer que a aposentadoria compulsória se faz com proventos proporcionais ao tempo de serviço, e não integrais, como se costuma propagar. Assim, o magistrado quando punido com aposentadoria compulsória acaba por sofrer drástico decréscimo remuneratório, recebendo apenas na exata medida do que ele contribuiu em atividade”.

Além disso, a PEC seria desnecessária, afirma a Amapar, pois já há previsão legal para a perda do cargo. “(...) Já existe procedimento com esteio constitucional, adequado e eficiente, por meio do qual se materializa a perda do cargo por parte do Magistrado que comete crimes, em desvio da retidão que lhe exige a judicatura. Não só isso, a proposta é manifestamente contrária ao disposto no art. 95, inciso I, da Constituição Federal, que assegura ao Magistrado a vitaliciedade. Pela vitaliciedade o Magistrado só pode perder o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado”.

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