SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ano de 2020 não tem sido fácil para o liberalismo. As reformas anunciadas pelo ministro Paulo Guedes (Economia) ficaram na promessa. O choque de privatizações tampouco foi para a frente. O PIB cresceu parco 1,1% no ano passado.

E tudo isso antes do coronavírus, quando o Estado, para amenizar os efeitos da crise, foi forçado a engordar grande parte do que havia conseguido economizar na reforma da Previdência.

Por fim, Guedes ainda levou uma rasteira do presidente Jair Bolsonaro e teve de engolir o Pró-Brasil, programa de obras públicas que caberia muito bem no governo de Dilma Rouseff (PT).

Mas não se apresse em achar que a “Primavera Liberal” no Brasil subitamente acabou, e que os defensores do Estado enxuto, mínimo ou até inexistente estão prestes a voltar para sua Kombi.

Para os pessimistas, os números mostrando o crescimento do liberalismo entre a juventude oferecem um alento.

Há nada menos do que 101 grupos ou entidades liberais espalhados pelo Brasil, a maioria formada por jovens, segundo levantamento do Students For Liberty Brasil (SFLB), uma espécie de guarda-chuvas desse movimento.

Eles estão sediados em 23 estados, com presença em capitais, mas também rincões, como Arapiraca (AL), Apucarana (PR) e Floriano (PI).

Seus nomes homenageiam desde baluartes do liberalismo, como John Stuart Mill e Ludwig von Mises, até figuras brasileiras, como Padre Cícero e Roberto Campos.

E a imaginação não tem limite: em Goiânia, há o grupo Revolta do Pequi, referência à fruta típica do Cerrado, enquanto Florianópolis tem o Boteco Liberal LGBT.

Alguns mais, outro menos, defendem a redução da presença do Estado na economia e na vida do cidadão. E pregam contra o que veem como a influência esquerdista no meio acadêmico.

“O movimento liberal cresceu muito desde 2015 para cá, principalmente por um sentimento de indignação dentro das universidades”, afirma André Migliore Freo, 24, diretor-executivo do SFLB.

Estudante de Direito na PUC-RS, ele afirma ter sido vítimas de patrulha de professores em 2016, quando cursava a Universidade Federal de Santa Maria (RS) e se posicionou contra uma greve convocada em protesto à emenda que estabeleceu um teto de gastos públicos.

“Eu me posicionei contra a greve, contra o sindicato e contra a reitoria, que estava sendo passiva”, conta. Uma professora levou comentários que ele fez no Facebook para a direção do curso, que soltou uma nota dizendo que Freo havia se excedido em sua liberdade de expressão.

Casos assim, diz, ele acontecem frequentemente em universidades, afetando estudantes que não comungam com ideias esquerdistas.

Mas não foi apenas isso que levou ao crescimento do movimento estudantil liberal, ele acredita. Também houve nos últimos anos uma reação aos governos do PT e uma maior organização de sentimentos que estavam pulverizados.

“Mantivemos o crescimento porque hoje termos nossos valores bem definidos. Nossos valores são integridade profissional, respeito ao indivíduo e comunidade meritocrática, além do liberalismo”, afirma Freo, que assumiu o SFLB em outubro de 2019 e tem mandato até 2022.

A entidade em si foi criada em 2016, espelhada numa de mesmo nome cuja sede é nos EUA. Atualmente, estima-se que haja 1.082 lideranças jovens espalhando o credo liberal no Brasil.

Para ter vínculo com o SFLB, os pré-requisito são ter entre 17 e 29 anos e estar vinculado a uma instituição de ensino. No ano passado, houve 440 eventos de grupos liberais, com a participação de 28 mil pessoas.

Para o diretor da entidade, os números não permitem complacência. “Essa defesa do liberalismo por inteiro veio para ficar, mas a gente não pode achar que a guerra está ganha”. A diferença, diz, é que agora tem gente nas salas de aula que ousa defender essas ideias.

Da mesma forma, afirma, o liberal raiz está a todo tempo cercado por ideias estatizantes de um lado, e reacionárias de outro. E como ele vê o fato de economistas como Guedes e jovens membros de sua equipe –alguns ex-integrantes do SFLB– estarem aninhados no autoritário governo Bolsonaro?

“O liberal tem de criticar tanto o direitista que defende um novo AI-5, quanto o esquerdista que idolatra Lênin”, diz.

No caso do Pró-Brasil, Freo não tem problemas em dizer que é nada menos do que um desastre total.

“O Pró-Brasil é a melhor definição de que o politico brasileiro gosta de repetir politicas púbicas falhas, porque são mais simples. Não é o momento de cair em populismo barato, principalmente na economia”, declara.

Quanto ao combate à Covid-19, ele lembra que parte das medidas tem sido feitas via programas de renda mínima, que, embora tenham ficado associados no Brasil ao PT, são políticas de DNA liberal.

E o grande medo liberal é que, lá na frente, seja preciso pagar a conta dos gastos com o coronavírus com aumento de carga tributária.

“O problema são outros gastos governamentais, que pesam no momento em que temos de fazer um ajuste emergencial. O Brasil teria muito espaço para cortar custos em supersalários, fundos eleitoral e partidário, antes de ter que aumentar impostos”, diz.