Diz a máxima feminista que o lugar da mulher é onde ela quiser, mas, na prática, e na política, as coisas não são tão simples. O acesso ao voto e a participação feminina nos processos eleitorais são históricos de luta. As sufragistas começaram a ganhar voz no fim do século XIX, mas o direito de ir às urnas só foi conquistado em 1932 e, ainda hoje, o ambiente é majoritariamente ocupado pelos homens. Uma das estratégias para buscar uma maior inclusão das mulheres no processo é a obrigatoriedade, por meio da legislação eleitoral, da destinação de pelo menos 30% dos repasses dos fundos eleitoral e partidário, e dos recursos arrecadados coletivamente para o financiamento das candidaturas femininas pelos partidos.

Para o advogado e professor da pós-graduação em Direito da UEL (Universidade Estadual de Londrina) Guilherme Gonçalves, especialista nas leis eleitorais, o não cumprimento dessa regra trará problemas graves aos partidos políticos, como cassação de chapas e rejeição das contas eleitorais. “O mais machista dos políticos deverá pensar bem antes de não cumprir porque o resultado judicial pode ser a perda de mandato e o pagamento de multa. Isso não é interessante para ninguém. É melhor cumprir a lei”, explica. Gonçalves defende que a medida não é suficiente, mas é um bom início, apesar de a mulher ter conquistado importantes vitórias. “Sou um defensor das cotas no número de vagas. Acredito que 50% das cadeiras deveria ser destinado às mulheres, num sistema de voto distrital misto. Somente assim teríamos uma política eficiente”, defende.

A vereadora Daniele Ziober (PP), única mulher na Câmara de Londrina
A vereadora Daniele Ziober (PP), única mulher na Câmara de Londrina | Foto: CML/Imprensa/ Devanir Parra

No cenário político, o Brasil ocupa a 141ª posição em uma lista de 192 países em representatividade feminina. Já no Estado, o TRE-PR (Tribunal Regional Eleitoral do Paraná) aponta que na última corrida eleitoral municipal, em 2016, a participação da mulher na disputa pelas vagas às 399 prefeituras paranaenses ficou abaixo de 10%. O órgão registrou 1.096 candidaturas na ocasião, com 989 homens e 107 mulheres, ou seja, apenas 9,76%. Entre as candidatas ao cargo de vereadora, o índice foi maior, mas longe de uma igualdade entre os gêneros. Os cargos de vereadores foram disputados por 29.108 candidatos, contemplando 9.661 mulheres, o equivalente a 33% do total. Em Londrina mesmo, apenas Daniele Ziober (PP) foi eleita. Ela acredita que falta confiança do cidadão. “Mais de 50% dos votantes é composto de mulheres, contudo, a minoria das cadeiras é composta de mulheres. Sou a única mulher na Câmara”, afirma a parlamentar, que ocupa uma das 19 vagas.

LUTA

A deputada estadual Cristina Silvestri (Cidadania)
A deputada estadual Cristina Silvestri (Cidadania) | Foto: Alep

Representante do gênero na AL (Assembleia Legislativa do Paraná), a deputada estadual Cristina Silvestri (Cidadania), também procuradora da mulher no Legislativo estadual, defende uma mudança na forma de pensar feminino sobre espaço na sociedade. “Mulheres já fazem política todos os dias, quando cobram vagas nas creches para os filhos, quando cobram mais policiamento no bairro. Então, falta a conscientização para que elas tenham essa percepção de que, através da política, podem levar essas e outras pautas para um espaço de debate maior, onde as demandas realmente podem virar soluções”, diz a parlamentar, que defende que as que já estão em espaços de poder incentivem a entrada de outras mulheres. “Nossa sub-representatividade na política permite que muitas distorções da sociedade continuem sendo reproduzidas”, analisa.

Na opinião de Silvestri, a existência de cotas é de extrema importância. A deputada conta que muitos homens se surpreendem com sua participação em temas como agricultura, segurança pública e esporte, e pelo fato de ela não se limitar à assistência social, por isso mesmo não acredita em uma mudança repentina. “O conceito das cotas é que, para termos igualdade, precisamos dar um empurrão a mais para as mulheres chegarem lá. Isso é a equidade. Quando essa mudança social acontecer e tivermos cidades com paridade de gênero, as cotas, certamente, não serão mais necessárias”, prevê.

BUSCA

Em seu primeiro mandato e já presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, a londrinense Luisa Canziani (PTB) acredita que o ambiente partidário deva ser receptivo, assim como desmistificar a ideia de que as mulheres não se interessam por política. “Para sair desse espaço de liderança informal e ocupar o espaço público, é preciso de uma rede de apoio que forneça as ferramentas necessárias para que essa mulher se torne uma liderança política, algo que os partidos políticos podem e devem fazer”, aponta a parlamentar, que busca novos nomes. “Minha equipe tem trabalhado para identificar essas lideranças nos municípios da Região Norte e não só filiadas ao nosso partido. Em Londrina, conseguimos fechar o quadro de mulheres pré-candidatas a vereadora, conforme determina a legislação eleitoral”, afirma.

Para ajudar no acesso, a ONG, em parceria com a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, lançou o “Guia Acessível Para a Candidatura das Mulheres” este ano. A publicação, disponível na Internet, detalha informações sobre a filiação partidária, o lançamento e o registro da candidatura, além de dados sobre financiamento de campanha e a propaganda eleitoral. O trabalho conjunto busca em especial aumentar a representatividade feminina no Parlamento brasileiro, que conta com apenas 15% de ocupação de mulheres nas duas casas. “Esse número contrasta diretamente com o total de mulheres filiadas em partidos políticos, que chega a 44%. Por isso, acredito que precisamos ir além. Precisamos de mais candidaturas competitivas, um ambiente partidário que olhe especificamente para a questão da mulher e reserva de vagas para elas”, conclui Canziani.

ONG lista razões para a dificuldade do acesso das mulheres à política

A sub-representação feminina na participação no Legislativo se deve a uma série de fatores. Segundo os dados apresentados pela ONG Visibilidade Feminina, o primeiro deles é a dificuldade de acesso aos cargos de direção partidária. Normalmente, cabem às mulheres os papéis secundários, que as mantêm distantes das tomadas de decisão, inclusive as de destinação dos recursos do Fundo Partidário. Isso provoca uma segunda razão: a dificuldade de acesso às fontes de financiamento. Subsequentemente, traz a dificuldade na obtenção de tempo de propaganda porque o partido político tem autonomia para distribuir o tempo de propaganda eleitoral. O que aponta a criação de uma cadeia de causas e consequências. O organismo ainda afirma que “o atual sistema de cotas de candidaturas, sem qualquer incentivo ou apoio partidário que permitam sua competitividade, o que resulta no estímulo às candidatas laranjas”.

Já a participação no poder Executivo não é muito diferente. A Visibilidade Feminina afirma que a mulher é preterida, em regra, na ocupação de cargos de gestão na cota de indicação governamental dos partidos, como, por exemplo, ministérios e secretarias. Isso acaba por retirar a possibilidade de implementação das políticas públicas e da demonstração de competência e capacidade políticas. Em 2017, o organismo participou de uma consulta ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), feita pela então senadora e agora deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) sobre a possibilidade de extensão da reserva de vagas para candidaturas nas eleições internas para a escolha de dirigentes dos partidos políticos. A resposta do tribunal veio em junho deste ano e entendeu ser aplicável reserva de gênero para mulheres nas eleições para órgãos partidários. O não cumprimento da regra deverá ser visto caso a caso.