BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O apelo por união feito pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em rede nacional de rádio e televisão não convenceu governadores e lideranças no Congresso, para quem seu histórico de radicalização não o deixa em condições de assumir as rédeas de um esforço de pacificação nacional para coordenar o combate ao novo coronavírus.

A avaliação de chefes de governo nos estados e de parlamentares ouvidos pela reportagem é que pouco deve mudar nos constantes atritos com o Palácio do Planalto.

Se essas lideranças terminaram de assistir o pronunciamento de Bolsonaro na TV na noite de terça-feira (31) com alguma esperança de moderação, uma nova publicação do presidente em suas redes sociais na manhã de quarta (1º) restabeleceu a sensação geral de ceticismo.

Em seu pronunciamento, Bolsonaro falou em "um grande pacto pela preservação da vida e dos empregos", elencando "Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade".

Menos de 12 horas depois, Bolsonaro compartilhou um vídeo em que um homem aparece no Ceasa (Central de Abastecimento) de Belo Horizonte e relata situação de falta de produtos, citando "fome, desespero e caos". A culpa, prossegue a pessoa no vídeo, é dos governadores.

Com o vídeo, Bolsonaro postou três frases: "Não é um desentendimento entre o presidente e alguns governadores e alguns prefeitos"; "São fatos e realidades que devem ser mostradas"; "Depois da destruição não interessa mostrar culpados."

O CeasaMinas contestou o conteúdo da publicação, negou desabastecimento e disse que a movimentação no centro segue normal. Diante do desmentido, Bolsonaro apagou a mensagem.

Depois, pediu desculpas por ter compartilhado o vídeo. "Quero me desculpar, não houve a devida checagem do evento. Pelo que parece aquela central de abastecimento estava em manutenção. Quero me desculpar publicamente, foi retirado o vídeo rapidamente. Acontece, a gente erra na notícia. Eu tenho a humildade de me desculpar sobre isso", declarou, em entrevista ao apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes.

O episódio reforçou a estratégia dos governadores de centralizar suas demandas no Congresso e nos ministros Paulo Guedes (Economia) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde).

"Eu, ontem, como cidadão, como brasileiro e como governador, fiquei feliz de assistir um presidente da República mais moderado e com bom senso, colocando uma mensagem equilibrada à população brasileira", declarou à imprensa o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

"Mas amanheci preocupado, vendo o mesmo presidente da República numa postagem agredindo os governadores. Em qual presidente da República nós devemos confiar?", acrescentou.

"O vergonhoso vídeo da Ceasa mostra o que realmente pensam Bolsonaro e o seu núcleo íntimo. Resta-nos a esperança de que o seu isolamento seja tamanho que ele seja objetivamente forçado a pactos, mesmo que não queira. Se ele efetivamente deixar de ser desleal, creio que a imensa maioria dos governadores está pronta a ajudar", afirmou o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B).

Outros três governadores, que pediram para não ser identificados, vão na mesma direção. De diferentes partidos, eles cobram mais coerência e menos retórica do governo federal, além de maior agilidade na liberação do pacote de socorro aos estados e de auxílio a informais para fazer frente ao período de paralisação da economia.

Um dos exemplos mais citados pelos governadores é a prometida suspensão do pagamento da dívida com a União. O compromisso ainda não saiu do papel, e diversos estados tiveram que recorrer à Justiça para garantir o não pagamento de uma parcela que venceu na segunda (30).

Para evitar batidas de frente com Bolsonaro, líderes que estão em conflito aberto com o mandatário têm tentado tocar demandas de seus estados com ministros considerados mais pragmáticos.

Um dos principais antagonistas do presidente, o governador Wilson Witzel (PSC), do Rio, negocia diretamente com Guedes a antecipação de partes dos recursos da Cedae (companhia de água e esgoto do estado) previsto para outubro, cuja outorga é calculada em R$ 11 bilhões.

A insatisfação com a forma de atuar de Bolsonaro extrapola os governadores e é compartilhada da centro-direita à esquerda no Congresso Nacional.

Deputados e senadores classificaram o presidente como "irresponsável" e "incontrolável", alguém que não transmite segurança suficiente para guiar o país na crise.

As queixas foram externadas pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), durante um evento organizado Bradesco.

Maia afirmou que Bolsonaro perde a oportunidade de construir pontes e repactuar as relações com o Congresso e com os governadores em favor de alimentar sua militância virtual.

"A relação entre o Parlamento e o governo não se encaminhou para um afastamento definitivo por causa da crise [do coronavírus]", disse

Parlamentares afirmaram que as postagens feitas pelo presidente na manhã desta quarta trazem uma imprevisibilidade desnecessária.

"O presidente só sabe causar caos. É assim que ele trabalha", afirmou o deputado Paulo Pereira da Silva (Solidariedade-SP), um dos líderes do chamado centrão.

O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), minimizou o desconforto.

"Imprevisível? Ele é o mais previsível que tem. Ele foi assim por 30 anos no Parlamento. E os 58 milhões que o elegeram o elegeram por ele ser assim", afirmou o senador.

Entre auxiliares palacianos, a explicação para o novo capítulo de radicalização é que Bolsonaro se encontra pressionado entre duas forças de seu governo.

A ala moderada quer trégua com os governadores e mais alinhamento com orientações de sanitaristas pelo isolamento; o grupo ideológico e empresários pregam a volta à normalidade.