SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em reunião nesta terça-feira (13) na Associação Comercial de São Paulo, o deputado federal Celso Russomanno (Republicanos) sugeriu que a falta de banho deixa pessoas em situação de rua mais resistentes à Covid-19.

"Talvez eles sejam mais resistentes que a gente porque eles convivem o tempo todo nas ruas, não têm como tomar banho todo o dia", disse o candidato à Prefeitura de São Paulo.

Especialistas afirmam, no entanto, que a declaração do candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não tem nenhum embasamento científico e que a higiene das mãos, assim como o distanciamento social e o uso de máscara, diminui o risco de contaminação pelo coronavírus.

"Quando a gente fala da Covid, ele é [um vírus] todo novo, ninguém tem imunidade. Seja limpo, seja sujo, a hora que essa pessoa for exposta, obviamente, ela vai adoecer e vai ter toda a repercussão da doença", diz Rosana Richtmann, infectologista do Instituto Emílio Ribas.

"Quem mora na rua acaba tendo uma chance muito maior de se expor a todo tipo de microrganismo —vírus, bactéria, fungo etc. Eles podem até adquirir algum tipo de imunidade frente a outros microorganismos, mas que não tem nada a ver com o coronavírus."

Rosana explica que populações em situação de vulnerabilidade podem responder pior ao contágio pela doença, já que o sistema imunológico trabalha mais para combater outros microrganismos a que são expostos diariamente.

"A única vantagem que vejo em um morador de rua é o fato de ele viver em ambiente aberto. Quando vemos todos os modelos de prevenção do novo coronavírus, estar em um ambiente aberto, arejado, diminui o risco [de contágio] em comparação ao ambiente fechado, mas isso não tem nada a ver com higiene, com banho."

Tânia Chaves, infectologista e integrante da Sociedade Brasileira de Infectologia, afirma que não há informações científicas que indiquem essa relação sugerida pelo candidato. "Sabemos que essas populações vulneráveis estão expostas também a outras doenças, inclusive respiratórias."

Na reunião, Russomanno afirmou que era de se esperar que houvesse mais casos de Covid-19 na periferia e entre moradores de rua, que segundo ele não seguiram o isolamento social.

A pandemia já matou mais de 150 mil brasileiros. Segundo dados da Prefeitura de São Paulo, 300 pessoas em situação de rua receberam diagnóstico de Covid-19 e 30 delas morreram pela doença na capital paulista.

"A única relação entre higiene e o vírus vem da capacidade de higienizar as mãos para matá-lo. Fora isso, ter maior ou menor cuidado, intensidade de qualquer outro hábito de higiene não tem nenhum impacto", afirma Marcio Sommer Bittencourt, médico do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP.

Ele também explica que morar na rua "não te dá nenhuma característica física ou imunológica que te torne mais ou menos protegido do vírus".

Segundo o especialista, pessoas em situação de rua podem ter um risco maior de complicações pelo perfil socioeconômico. "Eles têm um risco maior por não ter acesso a vários serviços de saúde que a população em geral deveria ter."

Bittencourt cita, por exemplo, uma taxa de vacinação menor entre essa população e a dificuldade de fazer tratamentos de longa duração que exijam acompanhamento e estocagem de medicamentos.

Em entrevista coletiva a jornalistas nesta quarta-feira (14), Russomanno disse que "estava fazendo uma consideração de que a ciência tem que explicar por que que eles são imunes, talvez porque tenham mais resistência".

"Era isso que eu queria falar. Eles têm mais resistência do que a gente. O que eu disse e volto a repetir é que se alardeava que os moradores de rua e a cracolândia seriam dizimados, seriam exterminados pela Covid-19 e não foi o que aconteceu. E que a ciência tem que explicar muito pra gente muito em relação a Covid-19."

Em nota divulgada pela assessoria de sua campanha, o candidato do Republicanos afirmou: "Eu respeito a ciência, não sou um negacionista. E respeito também os moradores de rua e da cracolândia, que precisam da nossa compreensão e do nosso apoio, não com ações demagógicas, mas com providências que possam, de fato, minorar os problemas deles".

CANDIDATOS CRITICAM

Em evento com empresários nesta quarta-feira, o prefeito Bruno Covas (PSDB) afirmou que Russomanno, com sua declaração, considera as pessoas em situação de rua como algo diferente do ser humano.

“Condeno a fala por ser preconceituosa em relação à população em situação de rua, como se essa população não tomasse ou não quisesse tomar banho. Segundo, por tratar sem nenhum conhecimento científico, pois não há nenhum estudo que demonstre qualquer relação entre tomar banho e pegar coronavírus.”

Guilherme Boulos (PSOL) disse durante um ato de campanha no centro da cidade, nesta quarta-feira, que a população em situação de rua precisa de um "olhar de acolhimento, não de ódio, não de indiferença".

"Eu fiquei enojado [com a fala]. Foi a pior declaração desta campanha eleitoral até aqui", afirmou Boulos. "Entendi isso como uma piada, um escárnio. É brincar com o sofrimento das pessoas. Isso é coisa de quem não tem humanidade."​

Outros adversários reagiram nas redes sociais à afirmação de Russomanno. Márcio França (PSB) ironizou: "Meu Deus! Perdoai, ó Pai. Eles não sabem o que dizem! Acho que o Russomanno teve aulas com a Bia Doria".

França, que faz oposição ao governador João Doria (PSDB), se referia a declarações recentes da primeira-dama do estado sobre o tema. Ela disse em julho que não é correto dar marmita para quem está ao relento e que "a rua hoje é um atrativo". Em agosto, Bia falou que "também tem os preguiçosos" entre os que estão na rua.

Jilmar Tatto (PT) classificou a fala de Russomanno como absurda e sugeriu que o rival "despreza pessoas em situação de rua".

O petista disse ainda que afirmações do tipo têm que ser combatidas com propostas. Ele prometeu, se for eleito, retomar o programa De Braços Abertos, implementado pela gestão Fernando Haddad (PT) na cracolândia.