Filiado ao Podemos desde 2017 e derrotado na eleição do ano passado, quando Sergio Moro foi eleito senador, o ex-senador Alvaro Dias diz não ter mais disposição para concorrer a um cargo público. “Há uma indisposição a um eventual retorno, mas não quero tomar uma decisão precipitada”, afirma. “Essa indisposição é resultante dessa dicotomia com a qual não me conformo. Não podem existir somente dois livros para serem lidos, o da direita e o da esquerda. Existe espaço para outras correntes”.

O ex-senador diz não ter mágoas de Moro, que foi convidado por ele para se filiar ao Podemos (o ex-juiz acabou deixando o partido, por onde inicialmente se candidataria a presidente, e concorreu ao Senado pelo União Brasil, derrotando o "padrinho" nas urnas). “Concorri a esse mandato e não fui bem sucedido. Aprendi a respeitar decisões da população e nunca transferi a responsabilidade. Se eu não fui bem sucedido, cabe a mim assumir a responsabilidade pelo insucesso”, afirma o ex-governador à FOLHA. Nesta semana, ele participou em Londrina do lançamento de sua biografia, "A travessia de Alvaro Dias”, escrita pelo jornalista José Antonio Pedriali.

Biografia relata 55 anos de vida política do ex-governador, em mandato marcado por repressão da PM a professores em 1988
Biografia relata 55 anos de vida política do ex-governador, em mandato marcado por repressão da PM a professores em 1988 | Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Os 55 anos de vida política de Alvaro estão na biografia, em que Pedriali relata a trajetória da família que deixou Quatá (SP) para trabalhar no cultivo de café no norte do Paraná, os dias do político como professor de História e radialista em Londrina e sua primeira eleição para vereador, em 1968, até a eleição do ano passado, quando ele não conseguiu sua reeleição para o Senado.

Cavalos e CPI da corrupção

Pedriali também relata a passagem mais polêmica da trajetória de Alvaro Dias. No dia 30 de agosto de 1988, quando ele era governador do Paraná, a Polícia Militar jogou bombas contra professores que faziam uma manifestação no Centro Cívico e avançou com a cavalaria sobre os manifestantes. A data é lembrada até hoje pelo APP-Sindicato, que representa a categoria. Segundo Pedriali, os manifestantes tentaram invadir o perímetro estabelecido pelos policiais, que usaram quatro granadas de efeito moral. Vinte pessoas ficaram feridas e os militares foram inocentados em 1992 pela Justiça Militar.

Outra passagem registrada na biografia foi o embate com o PSDB, mesmo partido do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 2001, Alvaro Dias e seu irmão, Osmar Dias, que também era senador e filiado ao PSDB, apoiaram a criação da CPI da Corrupção. Havia suspeitas de que o INSS concedia benefícios falsos e de que o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem e o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca superfaturavam o preço das obras. Alvaro acabou expulso do PSDB e se filiou ao PDT, partido pelo qual disputou o governo do Paraná em 2002 (foi derrotado por Roberto Requião). Em 2003, o paranaense foi convidado a voltar para o PSDB.

Trajetória

Alvaro Dias nasceu em Quatá, em 7 de dezembro de 1944, disputou 13 eleições e venceu nove: para vereador (1968), deputado estadual (1970), deputado federal (1974 e 1979), senador (1982), governador do Paraná (1986) e senador (1998, 2006 e 2014). Foi derrotado em quatro nas disputas para prefeito de Londrina (1972), governador (1994 e 2002) e senador (2022).

Nascido em Londrina, José Antonio Pedriali é jornalista há 40 anos. Iniciou a carreira na Folha de Londrina e também trabalhou no Jornal da Tarde e no jornal O Estado de S. Paulo. É autor de 18 livros, entre eles “Fuga dos Andes” (Record, 2009) e “José Hosken de Novaes, o homem que não se corrompeu” (Casa Itália, 2022), biografia do ex-prefeito de Londrina.

Na ditadura, mandato "salvo" pelo presidente do partido que apoiava o regime

Ao contar a trajetória de Alvaro Dias, o jornalista José Antônio Pedriali relata fatos marcantes da história política brasileira, como a luta contra a ditadura militar, a morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, no Doi-Codi de São Paulo, a campanha pelas eleições diretas para presidente, a partir de 1983, o período em que Alvaro foi governador do Paraná e o apoio à CPI da Corrupção, que o levou a deixar o PSDB. “Escrever sobre o Alvaro Dias estava entre as minhas intenções. Acompanho a trajetória dele desde adolescente, fui a comícios dele em 1968 e fiz uma pesquisa exaustiva”, relata Pedriali.

Alvaro diz que vinha adiando a ideia de aprovar a publicação de uma biografia porque ainda tinha mandato (foi senador até o início deste ano). “O Renê Dotti (jurista curitibano falecido em 2021) insistia para que eu autorizasse uma biografia, mas eu relutava, não tinha encerrado minha carreira e não achava conveniente”, afirma o ex-senador. “O Pedriali me acompanhou desde o início e se dispôs a escrever. Foi no ano passado, ano eleitoral, e não tivemos muito tempo para conversar, mas dei total liberdade a ele”.

Quase cassado

Um dos momentos marcantes relatados no livro foi um discurso feito Alvaro em 1976, quando era deputado federal. Ele estava em Cruzeiro do Oeste (PR) para uma solenidade e atacou duramente o governo militar. Na semana seguinte, os jornais de Brasília começaram a noticiar que ele poderia ter o mandato cassado – só durante o governo do general Ernesto Geisel, o então presidente, 173 mandatos haviam sido cassados.

O mandato de Alvaro foi salvo pelo deputado federal Francelino Pereira, presidente nacional da Arena (o partido que dava sustentação à ditadura). Pereira destruiu a gravação com o discurso do deputado paranaense e o processo de cassação não andou. Durante seu primeiro mandato como senador, na década de 1980, Alvaro Dias discursava quando Pereira visitou o Senado. O paranaense então agradeceu o ex-colega de Câmara por tê-lo poupado da cassação.

“Eu era vice-líder do MDB na Câmara e aparecia em todas as listas de cassação. Naquele momento, o discurso (em Cruzeiro do Oeste) foi mais tenso”, lembra Alvaro Dias. “Os jornais diziam que eu seria cassado no dia seguinte, mas quem estava com a fita era o presidente nacional da Arena (Francelino Pereira). Ele pediu licença para ir ao banheiro e destruiu a fita. Eu era jovem e fazia discursos contundentes, isso gerava tensões e ameaças de cassação. A pressão era permanente”.

Presidenciável

Governador do Paraná entre 1987 e 1991, Alvaro Dias viu seu nome ser cogitado para disputar a presidência pelo PMDB em 1989, a primeira eleição presidencial direta após o fim da ditadura, em 1985. As pesquisas mostravam que um político jovem e com experiência administrativa teria boas chances – Fernando Collor, governador de Alagoas, acabou eleito.

“Cheguei a disputar a convenção, mas durante meu discurso desligaram o som”, lembra Alvaro. “O Valdir Pires ficou em segundo na convenção e disse que disputaria a vaga com o Ulysses Guimarães se tivesse o meu apoio, mas eu disse que achava oportuno buscar a unidade do partido. Tive oportunidade de ser candidato por outro partido, mas deveria sair do PMDB e renunciar ao governo. Achei que seria uma irresponsabilidade minha e não me dispus a fazer”.