O advogado paranaense e professor de Direito René Ariel Dotti, 86 anos, morreu nesta quinta-feira (11) em sua residência, após uma parada cardiorrespiratória. Professor René - como gostava de ser chamado - é um dos mais reconhecidos advogados penalistas do Brasil.

Imagem ilustrativa da imagem Advogado e professor da UFPR, René Dotti, morre aos 86 anos
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Nascido em Curitiba no Dia da República (15 de novembro de 1934), Dotti formou-se em Direito pela UFPR e começou a atuar na advocacia nos anos 1950. Ainda jovem advogado, teve papel de destaque na luta contra a ditadura militar, defendendo os perseguidos pelo regime. Em recente entrevista ao jornalista José Wille, Dotti lembrou desses momentos. "Passei a defender os acusados políticos que eram meus amigos, meus companheiros de redação, meus alunos e também meus professores. A mudança foi grande, do ponto de vista dos estereótipos, que se modificavam. Agora, o autor não era mais o acusado de um crime de homicídio, de um crime de estelionato, mas sim acusado de um crime contra a segurança nacional, que era algo imaginário, do ponto de vista do governo, do poder militar que se instaurou no país. E isso provocou em mim uma resistência intelectual muito grande. Não provocou o temor, porque eu não me divorciei nunca das atividades de advogado", respondeu.

O advogado foi autor do HC (habeas corpus) em favor de 20 jornalistas presos pelo regime militar, entre eles, Luiz Geraldo Mazza e Cícero Cattani. "Ele era o mais jovem de todos advogados da OAB e muito brilhante a ponto de se destacar. Ele conduziu, orientou e interpelou o HC no Supremo Tribunal Federal. O caso ganhou repercussão nacional e passou a ser o advogado que socorreu jornalistas perseguidos pela ditadura", lembrou Cattani, hoje com 81 anos, que atuou naquele período no jornal Última Hora.

TRAJETÓRIA

Por quase seis décadas, René Dotti contribuiu com o ensino jurídico na UFPR e com diversos livros e pareceres. Na OAB Paraná, o jurista integrou diversas comissões como a Comissão da Verdade e a Comissão de Apoio à Criação do Tribunal Regional Federal no Estado. Dotti foi coautor do Código Penal e da Lei de Execução Penal e no Conselho Federal da OAB relatou o anteprojeto da nova Lei de Imprensa e também atuou como crítico de teatro e de literatura. Também foi secretário estadual da Cultura entre os anos de 1987 e 1991.

Em 2017, aos 83 anos, voltou aos holofotes durante o interrogatório do ex-presidente Lula na audiência com o então juiz federal Sergio Moro no âmbito da Lava Jato no caso triplex do Guarujá. À época, o famoso jurista atuava como assistente de acusação, em nome da Petrobras. "Parece que não respeita a autoridade do juiz", disse Dotti interrompendo uma fala do advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, que acusava Moro de agir politicamente. "O magistrado tem evidente interesse de apurar as condições pessoais do acusado na individualização da pena, a sua personalidade, seus antecedentes, a sua moral, inclusive", afirmou Dotti na intervenção.

O jurista seguia lúcido e trabalhando até a última quarta-feira. Na terça-feira (9) conversou com a FOLHA para reportagem em homenagem aos 90 anos do colunista Luiz Geraldo Mazza . “O Mazza tem a melhor memória do Paraná. Não há evento político que ele não tenha conhecido em detalhes. Ele exerce uma crítica moderada e de qualidade, sempre com humor", disse à reportagem sobre o amigo de "inesquecíveis noites na Boca Maldita".

René Dotti deixou a esposa, Rosarita, as filhas Rogéria e Cláudia e quatro netos.

HOMENAGENS

O governo do Paraná, o Ministério Público e OAB Paraná lamentaram profundamente o falecimento do jurista René Ariel Dotti. "A figura do professor René era referência da advocacia paranaense no cenário nacional. Um democrata, um defensor das liberdades, um humanista, um incentivador da cultura, um jurista, um exemplo de pai de família, enfim, um homem completo, alguém que será lembrado para sempre na história do Paraná e do país”, afirmou o presidente da OAB Paraná, Cássio Telles.

“De todas as suas enormes qualidades, a que o Ministério Público mais enaltece é o seu compromisso com a liberdade e com a ética, digno dos grandes homens”, escreveu o procurador-geral de Justiça Gilberto Giacoia.