As datas das eleições municipais deste ano estão mantidas – pelo menos por enquanto. Segundo o calendário oficial do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o primeiro turno do pleito que irá escolher os novos prefeitos e vereadores brasileiros está marcado para 4 de outubro, e o segundo turno, para cidades com mais de 200 mil habitantes, para o dia 25 do mesmo mês. As consequências da pandemia da Covid-19, no entanto, provocam tanto no Legislativo como no Judiciário nacionais a análise de um possível adiamento. Fontes dão como certo que as novas datas devem ser entre 6 e 20 de dezembro, e que os mandatos atuais não devem ser estendidos.

Alexandre Melatti, da Comissão de Direito Eleitoral da OAB Londrina: Alterar a data pode ser possível, mas aumentar o período dos mandatos é uma solução oportunista”
Alexandre Melatti, da Comissão de Direito Eleitoral da OAB Londrina: Alterar a data pode ser possível, mas aumentar o período dos mandatos é uma solução oportunista” | Foto: Gustavo Carneiro

Existem propostas na Câmara Federal, mas a que se mostra mais viável vem do Senado, de autoria de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que foi subscrita por outros 26 senadores. Em seu projeto de lei, o texto não altera o período de mandato dos atuais governantes e confere ao TSE a autorização para que promova a revisão do calendário eleitoral e a proceder os ajustes na aplicação da legislação infraconstitucional. “Manter as eleições ainda no ano de 2020 garante a manutenção do período dos mandatos e a data de posse, sem colocar em risco a legitimidade do processo democrático de escolha dos dirigentes das cidades e dos representantes no parlamento municipal”, explica o senador na justificativa do texto.

EXTENSÃO

Nos bastidores do Congresso, os líderes partidários tanto da Câmara dos Deputados como do Senado Federal estão costurando um acordo para adiar as eleições municipais. De fato, depende de uma atuação dos parlamentares para a decisão, que não cabe ao judiciário. “Não compete ao TSE ou ao STF (Supremo Tribunal Federal) mudar a lei eleitoral. As regras estão dispostas na Constituição e qualquer alteração deve ser feita por uma emenda”, detalha o advogado Alexandre Melatti, coordenador da comissão do Direito Político e Eleitoral da OAB Londrina. Ele lembra que outras propostas que são tratadas no Congresso têm menos força. Uma trata de unificar o pleito deste ano para 2022 e a outra empurraria a ida às urnas para abril do próximo ano, o que levaria à extensão dos mandatos.

O plano de alongar os mandatos não é um movimento considerado inaceitável para muitos políticos, conforme explica o professor Elve Censi, especializado em Ética e Filosofia Política no Departamento de Filosofia da UEL (Universidade Estadual de Londrina). “Houve um movimento dos prefeitos que levantaram a vontade de aumentar o mandato por mais dois anos. Vivemos um momento economicamente muito ruim e isso prejudica quem está no poder. Prorrogar o tempo daria um alívio para eles e a possibilidade de ficar 10 anos no poder. Obviamente isso não vai prosperar”, avalia Censi.

PROBLEMAS

Imagem ilustrativa da imagem Adiamento das eleições municipais ganha cada vez mais força
| Foto: Folha Arte

A vontade de alongar os mandatos que já estão se encerrando não deverá ter força. Não só por uma questão meramente política, mas, porque cai na exigência de uma discussão de constitucionalidade e poderia abrir uma temporada de ampla judicialização do tema. “Não só existem restrições no texto constitucional como agridem a periodicidade e o sufrágio. Os eleitores deram um mandato por 4 anos”, afirma Melatti, que ainda pondera que as normas eleitorais precisam ser alteradas pelo menos um ano antes do pleito. “Creio que mudar trechos da lei não seria problemático porque o TSE teria que rever o momento como único. Alterar a data pode ser possível, mas aumentar o período dos mandatos é uma solução oportunista”, critica o especialista da OAB.

Há ainda a análise de que o TSE está estudando a possibilidade de promover eleições em datas distintas, apesar de a medida ser mais remota. As cidades que conseguissem realizar com segurança assim o fariam. As demais adiariam até o fim do ano. Outro fato importante são as outras regras que têm como base a data do pleito, como os limites para registros de candidatura e o início da propaganda eleitoral. “Entendo que se adiar realmente teria que mudar as regras, parar os prazos de convenções, registros e campanhas. E ainda há a situação dos períodos de filiação, mas a Justiça pode entender que esses prazos já teriam sido cumpridos”, destaca Melatti.

No viés político, o adiamento também deve causar uma mudança drástica, em especial no Paraná, que tem grande parte dos seus 399 municípios com população com média de 10 mil habitantes. “Nesses lugares, eleição municipal é feito no tête-à-tête. É uma política que ainda depende da visita, do cafezinho, e a pandemia impossibilita esse comportamento. Será um período muito diferente até que a Covid-19 diminua seus impactos”, analisa Censi, que ainda acredita que a doença pautará o debate este ano. “As pessoas pensam em como estão as estruturas de saúde e se funcionam bem. Acredito que o tema vá ocupar um debate de maneira mais intensa do que temas clássicos, como a corrupção”, aposta.

NACIONAL

O cientista ainda vê o cenário político nacional influenciando diretamente nas eleições locais, em especial com a polarização herdada de Brasília. Apesar de o comportamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ser considerado uma novidade no nosso panorama, movimento parecido ocorreu em 2016. “Estamos repetindo o que aconteceu na eleição passada. Todo o cenário provoca o esvaziamento e ocupa o espaço do que deveria ser local. Isso aconteceu na época da disputa entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), mesmo depois das eleições”, compara Censi, que conclui que os enfrentamentos locais à Covid-19 poderão influir nos resultados. “Os governos que tiverem atitudes reconhecidas como adequadas com certeza terão enorme ganho político, mas, se a população perceber que não enfrentou devidamente, o efeito será bem mais complicado”.