Carlos Fernando Lima: "Sem os acordos não teríamos a multiplicação das investigações que temos hoje”
Carlos Fernando Lima: "Sem os acordos não teríamos a multiplicação das investigações que temos hoje” | Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Fontes de recursos dos mais volumosos esquemas de corrupção no Brasil, as empresas da área de infraestrutura vêm passando a limpo suas práticas. A mea culpa é uma necessidade para a sobrevida no mercado e neste processo o instrumento legal dos acordos de leniência tem sido fundamental. Recentemente, a Ecorodovias - concessionária da Ecovia e da Ecocataratas - acertou com a força-tarefa da Lava Jato no Paraná um termo em que ressarcirá R$ 400 milhões até 2021. O valor será utilizado para reduzir em 30% o preço dos pedágios, fazer obras e pagar uma multa por improbidade administrativa. O acerto com a Justiça somente é celebrado mediante uma série de exigências, que não só visam promover a reparação financeira como também precisam expor toda a cadeia de irregularidades, além de propor uma punição criminal e a criação de programas internos de compliance, ética e transparência dentro das companhias.

Imagem ilustrativa da imagem Acordos de leniência: crime e castigo

A prática dos acordos de leniência é relativamente nova na Justiça brasileira. Eles passaram a ser adotados com a Lei 12.846 de 1º de agosto de 2013 – popularmente conhecida como a Lei Anticorrupção –, que versa sobre a responsabilização objetiva, administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública. “Trata-se de um verdadeiro marco legislativo na luta contra a corrupção, invariavelmente associada ao abuso da função pública em benefício privado, que constitui um obstáculo à radicação do Estado de direito democrático”, opina o advogado Ivan Xavier Vianna Filho, doutor em Direito do Estado. A instituição dos acordos teve como benefício fundamental minimizar a prática dos atos lesivos à administração pública e interromper comportamentos em curso, assim como esvaziar a eficácia dos já consumados.

No âmbito da operação Lava Jato, a elaboração dos acordos permitiu primordialmente o avanço nas investigações, visto que estes são as delações premiadas das empresas. Um exemplo é o termo que foi firmado com a construtora Odebrecht. Os fatos relatados por seus executivos permitiram ampliar o conhecimento de atos ilícitos, como os apurados nos contratos e concessão nas rodovias no Paraná pela Operação Integração – 48ª fase da Lava Jato. “Os acordos têm uma finalidade de desorganizar cartéis ou organizações criminosas de alguma espécie. O fato é que sem os acordos de leniência nós não teríamos a multiplicação das investigações que temos hoje”, defende, em entrevista à FOLHA, o procurador aposentado do MPF (Ministério Público Federal), Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos principais nomes da Lava Jato.

Responsável pelo desenvolvimento das bases dos acordos no MPF, Lima atuou nos trâmites que culminaram nos contratos assinados com a Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e a Odebrecht, além de outros pequenos travados com empresas estrangeiras. Em sua opinião, para se chegar a um bom resultado, é preciso tempo e paciência. “Acordos bons são lentos por natureza. Mesmo porque os envolvidos precisam de uma maturidade que só é adquirida durante a negociação”, explica o ex-procurador, que esmiuçou os bastidores. “Para nós também não é fácil porque temos que ouvir sem revelar os fatos que sabemos. Temos que tentar fazer com que a empresa perceba que nós não estamos ainda satisfeitos, que ela precisa produzir mais, que precisa trazer mais documentos”, detalha Lima, que contou que o acordo com a Odebrecht levou nove meses para ser concluído.

Procurador Alexandre Jabur: “O que nós geralmente primamos é pela eficácia do procedimento"
Procurador Alexandre Jabur: “O que nós geralmente primamos é pela eficácia do procedimento" | Foto: Divulgação /MPF

CELERIDADE

Para o procurador Alexandre Jabur, que entrou na força-tarefa da Lava Jato em março e participou do acordo com a Ecorodovias, os acordos são uma forma de antecipar a finalidade: obter justiça. Para ele, seria muito mais fácil fazer uma denúncia ou promover uma ação e deixar o judiciário resolver ao invés de fechar uma negociação. “Historicamente, a ação civil demora anos, muitas vezes décadas para ser finalizada. Existe toda a necessidade do contraditório amplo e, no fim, há a fase de execução. Não se sabe se a empresa vai continuar existindo, se as pessoas estarão vivas”, pontua Jabur, que acredita que os acordos trazem o consenso para tentar solucionar um problema. “Sem os acordos, as empresas se sujeitam a um infindável número de ações judiciais, como bloqueios e sequestros de bens. Esses contratos contribuem com a retomada da empresa e permitem a sua continuidade”, afirma o procurador, que acredita que não é possível culpar o processo de investigação pelo prejuízo das companhias. “O problema maior foi a prática de crimes”, conclui.

Um dos principais questionamentos enfrentados pelas empresas que buscam ajustar suas práticas é que, quando uma empresa comete um fato criminoso, a quantidade de órgãos públicos que estão envolvidos que podem puni-la é muito grande. Na própria Lava Jato, questões econômicas cabem apuração no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), questões tributárias com a Receita Federal, questões de investigação criminal dos executivos com a Polícia Federal, o MPF, além da CGU (Controladoria-Geral da União), da AGU (Advocacia-Geral da União) ou do TCU (Tribunal de Contas da União). Um acordo pode ser assinado com várias instituições ao mesmo tempo, mas o processo só se complica. “O que nós geralmente primamos é pela eficácia do procedimento. Não adianta nada nós ficarmos anos tentando fechar um acordo com todos os envolvidos. É preciso virar a página. O MPF isoladamente tem deixando aberto o caminho para os órgãos de controle estaduais ou federais”, afirma Jabur.

RESULTADOS

Apesar dos inegáveis serviços prestados para a sociedade – a Lava Jato no Paraná celebrou 13 acordos de leniência, num total aproximado de R$ 12,4 bilhões –, a recente utilização do instrumento dos acordos de leniência não possibilita uma profunda análise de sua eficácia. É o que defende o advogado Ivan Xavier Vianna Filho. “Não há uma cultura social e institucional suficientemente desenvolvida a ponto de infundir nos atores da possível transação a confiança recíproca e necessária para tratar e concluir ditos pactos com a segurança necessária e desejada”, opina o estudioso na área, que garante que tal questionamento se deve ao fato de a Lei Anticorrupção apresentar pontos frágeis. “O que não retira o mérito da sua criação e, em princípio, não compromete a sua validade, mas, induvidosamente, restringe a sua eficácia”, afirma. Ao fim dos prazos de cumprimento dos acordos, em mais alguns anos, um panorama sobre os resultados já poderá ser traçado.

NOVA REGULAÇÃO PARA ACORDOS

A CGU e a AGU reestruturaram os procedimentos para negociação, celebração e acompanhamento dos acordos de leniência. A portaria, publicada no último dia 13, otimiza as atribuições de seus departamentos internos e consolida o trabalho conjunto dos dois órgãos nesses acordos. Segundo as novas regras, caberá ao Departamento de Patrimônio e Probidade da Procuradoria-Geral da União representar a AGU na condução dos trabalhos. Outra novidade é a menção ao trabalho, no âmbito da CGU, da Diretoria de Acordos de Leniência, vinculada à Secretaria de Combate à Corrupção, não mencionada na portaria anterior sobre o tema, editada em 2016. Tanto a DPP quanto a SCC foram criadas em janeiro deste ano.

Por meio dos acordos de leniência, as companhias investigadas que manifestam interesse em colaborar com as autoridades se comprometem em repassar informações sobre valores e agentes públicos envolvidos, implementar um programa de integridade e reparar os danos, com pagamento de multa e recursos referentes a enriquecimento ilícito. Conforme balanço divulgado pelo ministro da CGU, Wagner Rosário, e pelo advogado-geral da União, André Mendonça, os nove acordos celebrados até o momento com a CGU e a AGU preveem o ressarcimento de R$ 11,2 bilhões, dos quais R$ 3,1 bilhões já foram efetivamente pagos às entidades lesadas e aos cofres da União.