Abstenção recorde em Londrina: `voto facultativo´ ou desinteresse?
Levantamento da FOLHA aponta que somente no pleito de 2000 o escolhido teve maioria absoluta dos votos, chegando a 51,25%
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segunda-feira, 02 de dezembro de 2024
Levantamento da FOLHA aponta que somente no pleito de 2000 o escolhido teve maioria absoluta dos votos, chegando a 51,25%
Lúcio Flávio Moura - Especial para a FOLHA
O ato de votar nunca foi tão pouco sedutor para o eleitor londrinense. A abstenção recorde na votação do último dia 27 de outubro foi de 30,94%, a maior entre os três municípios paranaenses que tiveram dois turnos - em Curitiba o índice foi de 29,26%, enquanto em Ponta Grossa (Campos Gerais) foi de 26,69% - e superior à média de 29,26% registrada entre os 51 municípios brasileiros que escolheram o prefeito na mesma data.
O fenômeno é multifatorial e suas explicações desafiam as ciências políticas. Amplamente discutidos nos dias que se seguiram ao pleito, o rol inclui a facilidade cada vez maior de justificar a ausência ( incluindo a possibilidade de se usar o celular para obedecer à exigência), o envelhecimento do eleitorado (para os maiores de 70 anos o voto não é obrigatório), a baixa participação dos adolescentes nas seções (com 16 e 17 anos, o voto também é facultativo) e as sanções brandas para quem nem mesmo justifica a ausência são as mais citadas.
O fato concreto, no entanto, é que o futuro prefeito Tiago Amaral (PSD) teve a menor votação proporcional das últimas oito eleições: 64,04% dos eleitores aptos a participarem do pleito no município não expressaram sua preferência pelo vencedor.
NÚMEROS IMPACTANTES
De acordo com o levantamento feito pela FOLHA, em apenas uma ocasião desde 1996 o prefeito eleito contou com apoio da maioria absoluta dos votantes - Nedson Micheleti (PT) foi a escolha de 51,25% dos cerca de 300 mil londrinenses que podiam votar em 2000. O atual prefeito foi o único que se aproximou da maioria absoluta - Marcelo Belinati (PP) teve mais de 47% de apoio dos eleitores nas urnas nas eleições de 2020.
Afinal, qual é a mensagem que estes números revelam?
“Os números das eleições, com a soma das abstenções, votos nulos e brancos superando a votação do vencedor, são impactantes, mas ainda vejo como uma opção do eleitor e não uma resposta ou um protesto contra os candidatos que chegaram ao segundo turno”, avalia o juiz eleitoral Mauro Henrique Veltrini Ticianelli. “A legitimidade é um processo construído no período pós-eleitoral, com os planos da equipe de trabalho ganhando apoio da população e da Câmara de Vereadores.”
Ticianelli acredita que as penalidades brandas e a facilidade de regularização da pendência geraram de fato um sistema de voto facultativo. “Chama muito a atenção, por exemplo, a opção do jovem de não participar da votação justamente no período da vida em que a quitação com a obrigação eleitoral é mais marcante, já que é necessário estar em dia para tirar passaporte, se inscrever em concursos públicos, se matricular em faculdades, iniciar a vida profissional…É um fenômeno que precisa ser monitorado e estudado por especialistas de diferentes ramos do conhecimento”, sugere. “Só assim conseguiremos entender o motivo de tanta apatia, de falta de vontade de participar de um evento tão grandioso, seguro, aberto, público, plural.”
“Consideramos que vivemos num país onde se adotou a democracia representativa como regime de governo a baixa representatividade pode implicar num problema de legitimidade”, pondera o advogado e cientista político Marcelos Fagundes Curti. “O ideal seria que o prefeito eleito pudesse contar efetivamente com os votos da maioria absoluta dos eleitores”, afirma.
POPULISTAS E AUTORITÁRIOS
Para o analista político Elve Cenci, professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina, a descrença dos eleitores provém do “ambiente tóxico da disputa política nacional”, mas também uma “manifestação de descontentamento em relação às opções apresentadas no segundo turno”. Ele considera “perigoso” este movimento de “abandono da política”. Assim ele explica: “O eleitor com raiva tende a escolher, caso resolva votar, as piores opções. Neste espaço crescem os líderes populistas e autoritários, os que defendem que a democracia não é um bom negócio, embora usando os palanques democráticos.”
Cenci resume a disputa em Londrina como uma “campanha vazia de propostas e cheia de ataques”. Com bom humor, ele atesta: “O eleitor ficou esperando boas ideias para melhorar a sua vida com o dinheiro do orçamento e ficou a ver as garças do Igapó”. Ele sugere que os partidos resgatem o saudável hábito de ouvir as reais demandas da população.
NEOLIBERALISMO, RELIGIÃO E COACH
O doutor em Filosofia, Clodomiro José Bannwart Junior, analisa o fenômeno sob o ponto de vista da história. “Quando a redemocratização se instalou com a Constituição de 1988, havia uma alta expectativa sobre a capacidade de transformação da realidade pelo voto popular, que seria um instrumento essencial para garantir que os direitos constitucionais fossem garantidos pelos governantes. Esta expectativa não existe mais”, compara. “Podemos dizer que hoje existe uma certa indiferença com o sistema, além de um desânimo com a democracia. Este desânimo pode ser medido pela popularidade de líderes políticos que defendem os atos antidemocráticos que promoveram a destruição dos prédios da Praça dos Três Poderes em Brasília e a volta do regime militar.”
O professor Bannwart Junior lembra que são muitas as explicações na academia para este fenômeno e ele escolhe uma. “Ao olharmos para o quadrante da História, o Brasil se redemocratizou tardiamente, lá pelos anos 1990, o que coincide com a ascensão do neoliberalismo. Esta doutrina consagra a redução do papel do Estado e superestima o mercado, que nega as políticas públicas e a legitimidade das instituições, enquanto nossa Constituição aponta para a direção contrária. Ela é um ordenamento que procura estabelecer um estado de bem estar social, o que nunca se efetivou de fato no Brasil", analisa ele.
"Outro elemento é a revolução religiosa silenciosa que mudou a maneira de pensar de uma parcela importante da sociedade. Na religião, existe a lógica do milagre, onde o resultado de bem-estar não depende de uma política pública. Também existe a lógica da sorte e do acaso, na qual as lutas e conquistas da coletividade são desprezadas. E a sociedade do coach, que prega que se você mudar a mentalidade você vai alcançar a prosperidade. São elementos que se somam e fazem muita gente mandar às favas qualquer reflexão do ponto de vista social e, por extensão, a própria democracia e o voto”, conclui.
NOVO CÓDIGO ELEITORAL
O juiz eleitoral Mauro Henrique Veltrini Ticianelli incluiu no debate a questão do novo Código Eleitoral, que já tramita no Congresso Nacional e que poderia ser uma espécie de reação à baixa participação dos eleitores nas urnas. Para ele, a atual legislação é um retalho que tenta se adequar a cada dois anos às mudanças nas campanhas, cada vez mais digitais, enquanto o novo código completo instituiria um novo sistema eleitoral, com voto distrital, restrição na reeleição de vereadores, deputados e senadores, a extinção da reeleição para presidentes, governadores e prefeitos (com mandatos mais longos).
“Talvez, também seja o momento para se discutir no parlamento, de forma mais arejada e isenta, também a obrigatoriedade do voto. Me sinto extremamente desconfortável, para dizer o mínimo, quando parlamentares dizem que o brasileiro não está pronto para o voto facultativo. Me sinto menosprezado e desprestigiado como eleitor, mas entendo que trata-se de um tema que precisa de uma discussão longa, aberta e abrangente para uma tomada de decisão”, analisa o juiz eleitoral.