Nos campos de futebol, ver um belo drible é motivo de aplausos. Craques da bola têm a habilidade de olhar para um lado, enganar o adversário e chutar para a direção oposta. Na política, a tática pode não ser motivo de comemoração, especialmente quando o drible parece ser dado no cidadão. A comparação é da análise do cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, relativa ao comportamento do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), sobre ações no que diz respeito à pandemia da Covid-19 na última semana. “Ele me lembrou o Ronaldo Nazário quando jogava. Nesse caso, de uma forma ruim. O governo toma medidas em um sentido e, logo em seguida, o presidente dirige-se aos seus apoiadores em sentido oposto, chamando doença de uma gripezinha, por exemplo”, avalia Prando.

Presidente saiu de sua residência oficial e visitou pontos do comércio local
Presidente saiu de sua residência oficial e visitou pontos do comércio local | Foto: Fabio Pupo - Folhapress

Uma verdadeira guerra foi instalada pelo núcleo mais próximo ao presidente numa espécie de tentativa de garantir uma posição de estabilidade de poder. O efeito, no entanto, vem sendo mais amplo. Contra os governadores pesa o fato de agirem com medidas de isolamento das populações. Estes são acusados de serem irresponsáveis com a economia. A imprensa, que vem exercendo papel ímpar no desejo de informar e, desta forma, garantir que as pessoas tenham defesa a partir de informações adequadas orientadas pelos gestores de saúde pública e pela ciência, também é alvo. O chefe do Executivo não cansa em dizer que a informação causa histeria. “Costumo sempre dizer que não há liderança na política que não seja exercida. Bolsonaro perdeu sua liderança para os governadores, que lidam diretamente com a crise, e para os meios de comunicação, que prestam bom serviço à sociedade”, aponta o professor.

Se nas ruas, inclusive de Londrina, um número de apoiadores do bolsonarismo pede a reabertura da economia, minimizando os possíveis impactos e a gravidade da infecção pelo coronavírus, os panelaços ecoaram por muitas cidades. É impossível medir se todos contrários ideologicamente ao governo, mas fato é que medo não tem legenda partidária.

A capacidade de gestão do próprio presidente vem sendo posta em prova. Um dos autores do pedido de impeachment que levou à cassação de Dilma Rousseff (PT), o jurista Miguel Reale Junior, defendeu publicamente que o Ministério Publico peça que Bolsonaro seja avaliado em sua sanidade mental e até ser considerado inimputável por ter participado pessoalmente de manifestações. “Não é à toa que já estejam surgindo pedidos de impeachment e processos a respeito de atentado à saúde pública. O fato é que Bolsonaro tem pouco apoio político, não tem um partido e se mantém garantido pelos seus 30% mais fiéis do eleitorado. A crise, no entanto, muda toda a semana e a opinião pública também pode se alterar”, analisa Prando.

EFICIÊNCIA

As medidas econômicas começam a sair das cabeças dos gestores públicos para ganhar as páginas das leis. A ajuda aos trabalhadores mais carentes de R$ 600 por mês saiu melhor do que o planejado. O governo iniciou a negociação com R$ 200; depois de idas e vindas com a Câmara, Bolsonaro, no auge de sua autoridade, aumentou o que havia sido acordado. Afinal, a palavra final deveria ser dele. Num pacote anunciado na sexta-feira (27), a equipe do Ministério da Economia apresentou uma proposta de ajuda às empresas no montante de R$ 40 bilhões, custeado pelo Tesouro Nacional para pequenas e médias empresas pagarem suas folhas de pagamento.

Apesar das decisões, na política, o que vale é a prática. “As medidas estão sendo anunciadas, mas ainda não estão sendo praticadas. Não pode ser bom de anúncio e ruim de eficiência. Neste momento, apoiamos a necessidade do uso das medidas provisórias, devido à necessidade de emergência e importância. Creio que há necessidade, nessa relação de capital e trabalho, de proteger os mais fracos”, defende o senador Alvaro Dias (PODE-PR).

SERVIDORES

Além da iniciativa privada, o setor público e os servidores deverão ser impactados pelas perdas causadas pela pandemia. Já se cogita redução de salários do funcionalismo, numa decisão que deve atropelar a aguardada Reforma Administrativa. Alvaro Dias defende, inclusive, que o corte seja feito de imediato nos rendimentos e privilégios dos políticos.

No cálculo de Dias, os privilégios somados chegam a R$ 38 mil por mês, enquanto o salário dos parlamentares é de R$ 23 mil. Se todos os congressistas abrissem mão, resultaria em uma economia mensal de R$ 14,8 milhões, que poderiam ser utilizados diretamente na Saúde Pública em um momento como este. “Há uma dificuldade na compatibilização entre salvar vidas e as empresas. O que fazer? Qual limite devemos avançar os prejuízos econômicos? O fato é que a prioridade é a saúde pública. Devemos tratá-la como uma lei suprema”, defende.

UNIÃO

Colega de bancada pelo Podemos do Paraná, o senador Oriovisto Guimarães afirma que o cenário deveria inspirar o sentimento de união. O parlamentar defende o prosseguimento das medidas de isolamento dos setores não essenciais e é a favor das medidas de auxílio social. No meio do calor das discussões políticas partidárias, busca tentar apagar o incêndio. “Não é hora de acirrar disputas políticas, não é hora de querer impor um ponto de vista à força”, afirma.

Apesar do tom pacífico, ele critica aqueles que vêm fazendo contas frias sobre as possíveis vítimas dessa grave crise. “Começa todo mundo a fazer estatística. É fácil, mas quando um ente querido seu morre, não é uma estatística. Aí, não importa. Ninguém é dono de verdade. Temos que ter calma e solidariedade, especialmente com aqueles que têm mais dificuldade”, conclui.

IMPENSÁVEL

Fato notório é que, desde o princípio do atual governo, o ministro da Economia Paulo Guedes, com sua agenda neoliberal, apontava para cortes, com a tesoura das reformas nas mãos. Não havia no radar a chance de uma enorme ação social em meio à calamidade pública. A dificuldade em lidar com a atual situação parece compreensível. O senador Flávio Arns (REDE-PR) teme exatamente o que pode ser a consequência deste caminho. Desprezar o perigo seria uma espécie de “salve-se quem puder”, como ele mesmo afirma.

“Tenho certeza de que agora é a hora de ouvir o que as autoridades da saúde têm a dizer, eles são os especialistas. E seguir as recomendações. Assim, temos grande chance de evitar que a pandemia se torne ainda pior. Agir na contramão da medicina é impensável”, defende Arns, que conclui. “O momento exige a união de todos: governos, parlamento e sociedade. O presidente precisa fazer parte deste processo. Aliás, tem que conduzir”. O difícil é saber para onde Bolsonaro vai mirar seu próximo chute.

PASSEIO

O presidente saiu na manhã deste domingo (29) de sua residência oficial, o Palácio da Alvorada, em Brasília, para visitar pontos de comércio local e o Hospital das Forças Armadas. A visita a diferentes pontos de Brasília causou aglomeração de pessoas, no momento em que a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda isolamento para evitar o contágio pelo novo coronavírus.

Bolsonaro falou com funcionários de um posto de combustível, de uma farmácia, de um mercado e com vendedores. Também conversou com um assador de churrasco em espetinhos e defendeu sua visão de o comércio ficar aberto. “Eu defendo que você trabalhe. Lógico, quem é de idade fica em casa. Às vezes, o remédio demais vira veneno", afirmou o presidente, que evitou cumprimentar pessoas com apertos de mão.

O giro do presidente ocorre um dia após o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ter reforçado a importância do distanciamento social à população nesta etapa da pandemia do novo coronavírus. (Com Folhapress)