Em vinda a Londrina nesta quinta-feira (3) para lançamento de seu livro e reuniões com correligionários e apoiadores de sua candidatura à presidência da República, o ex-juiz Sergio Moro (Podemos) voltou a se colocar como o potencial adversário do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de outubro. No mesmo dia em que teve início o prazo para novas filiações partidárias - até 2 de abril -, ele assegurou que permanecerá no Podemos, ainda que se especule sobre uma possível migração para o União Brasil.

Imagem ilustrativa da imagem "A gente tem que tomar cuidado com quem faz aliança", diz Moro
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Na entrevista concedida à FOLHA no Crystal Palace Hotel, onde esteve hospedado, Moro pediu para tirar a máscara de proteção contra a Covid-19 para que sua voz não ficasse abafada, tomou um frasco de energético com uma garrafa de água gaseificada e falou sobre suas propostas de governo, o que pensa sobre a necessidade política de ter que vir a articular alianças com partidos de gente que ele condenou na Lava Jato, e atacou Bolsonaro e Lula. Disse que a sociedade civil está insatisfeita com a perspectiva de ter uma eleição polarizada em dois extremos, “que aliás nem conseguiram se posicionar claramente numa situação de guerra que a gente vê ali no leste europeu”. Moro ainda rebateu as críticas de bolsonaristas sobre ter saído do governo Bolsonaro acusando o presidente de tentativa de interferência na Polícia Federal, e da esquerda, que o considerou um juiz de atuação política à frente da Lava Jato. Leia a íntegra.

O senhor continua no Podemos? E vai procurar uma aliança mais ampla, inclusive com outros pré-candidatos ou partidos da terceira via, pensando numa maior participação no fundo eleitoral?

Tem muita especulação em cima desse tema. Estou no Podemos e estamos fazendo essas alianças a partir do Podemos. Mas nós temos a expectativa, sim, adiante, de que haja uma articulação dentro do meio político para termos um projeto maior. A gente quer ter também uma aglutinação, uma conexão com a sociedade, com as pessoas. Estamos conversando com vários partidos e agentes políticos, porque o que temos hoje presente? Os partidos estão com dificuldades para fazer coligação ou federação. Praticamente a gente não está vendo nada. A única coisa que saiu foi o PSDB com Cidadania, aprovação da realização da federação, mas eu tenho minhas dúvidas se isso no final vai ser concretizado.

E tem a federação da esquerda também

Que estão dizendo que não vai sair, PT e PSB, tem muita gente contra ali dentro. Então o Podemos está de portas abertas, estamos conversando com muita gente, se não vierem os partidos a gente tem a certeza de que vai ter apoio de gente dentro dos partidos. Como já tem hoje. Tem muitos deputados federais do PSL e do DEM, que hoje são União Brasil, que nos apoiam. O projeto de país nunca é limitado a um partido só ou a uma pessoa só. A principal aliança que eu entendo que a gente tem que fazer hoje é com a sociedade civil, que está insatisfeita com essa perspectiva de ter uma eleição polarizada entre dois extremos, que aliás nem conseguiram se posicionar claramente numa situação de guerra que a gente vê no leste europeu.

Incomoda ao senhor o fato de ter que articular com partidos de pessoas que condenou na Lava Jato, como Republicanos e o Pastor Everaldo, presidente do PSC?

Estamos dialogando com vários agentes políticos, mas não temos nenhuma aliança concretizada com esses personagens que você mencionou. A gente tem que tomar cuidado também com quem faz aliança. Por exemplo, o Podemos tem um quadro de membros extremamente significativo e louvável. Aqui em Londrina temos o Alexandre Kireeff, que foi um grande prefeito, que passou toda sua gestão (2013-2016) sem nenhuma mácula. Temos o Alvaro Dias no Senado, que tem sempre se posicionado a favor de pautas de integridade, o Oriovisto (Guimarães), o Flávio Arns. Temos agora o Deltan Dallagnol, que deixou o Ministério Público pra concorrer a deputado federal. Ou seja, temos um quadro do qual podemos nos orgulhar. Agora, a gente sabe que política é a arte do diálogo, tem que conversar. Você pode até partilhar poder, mas não pode nunca abdicar de certos princípios e valores, porque senão acaba também não chegando a lugar algum. Veja: se transgredir a lei pra governar fosse sinônimo de prosperidade, o Brasil era pra estar voando, porque o que a gente mais viu foi escândalo de corrupção no passado, mas não viu ganho para o Brasil, quem ganharam foram os políticos. O Brasil continua nessa armadilha de baixo crescimento, com inflação alta, estagnação econômica, na época do PT com recessão. Será que realmente pra ter governabilidade que leve o país a algum lugar você precisa violar o Código Penal? Eu não acredito nisso. A gente tem que dialogar, sim, pode-se partilhar poder com base num projeto, mas você tem que ter limites, princípios e valores.

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Analistas políticos avaliam que em 2018 a principal pauta na eleição era o combate à corrupção, por conta dos desdobramentos da Lava Jato, e que em 2022 será outra: a retomada econômica. O senhor tem seu nome muito vinculado ao combate à corrupção. Como fica o candidato Moro quando a pauta não é necessariamente essa?

Eu diria que sou o pré-candidato que entrega. Diziam que era impossível combater a corrupção, a gente fez. Diziam que era impossível, quando fui ministro da Justiça, combater o crime organizado, a gente fez. Conseguimos inclusive reduzir a criminalidade violenta no país, teve uma queda de 22% nos assassinatos em 2019 em relação a 2018. A gente foi pra cima do PCC, fez aquela transferência do pessoal dos presídios de São Paulo para os presídios federais e acabou isolando aquelas lideranças da facção criminosa. Então, no fundo, a nossa visão é diferente, sou o pré-candidato que entrega e cumpre o que promete. O nosso foco agora, sim, vai ser a retomada do crescimento econômico, que tem que ser inclusivo e sustentável. Mais emprego, com geração de renda e diminuição da desigualdade social, mas não vamos abdicar das bandeiras da ética, até porque entendemos que as duas coisas estão associadas. Precisamos, primeiro, combater a inflação, principal reclamação que tem sido feita, comendo o poder aquisitivo da população e afetando principalmente os que ganham menos - a inflação de alimentos é maior do que a inflação geral. Como é que você faz isso? Precisa estabilizar o país, a economia, senão não consegue reduzir nem a inflação nem os juros. Se você não reduz os juros o Brasil não volta a crescer. Não adianta fazer como outros candidatos têm feito por aí, dizendo que vão gastar, vão gastar, vão gastar, pedindo cheque em branco para a população brasileira, porque não vai funcionar. A gente já viu esse filme antes, acaba numa recessão, em 2014 e 2016. Então primeiro vamos ser responsáveis socialmente, mas com responsabilidade fiscal, porque se a gente descontrolar a relação entre PIB e dívida o Brasil não sai dessa armadilha de baixo crescimento.

Qual sua proposta para atacar a alta dos combustíveis?

Se você estabilizar a inflação e conseguir baixar o dólar resolve boa parte desse problema. Esse foi um problema gerado pelo atual governo, que deixou o dólar se descontrolar. E qualquer discussão que a gente possa ter sobre o preço dos combustíveis é relevante, mas tem que ser uma solução permanente, não adianta baixar agora pra aumentar em 2023, não adianta baixar agora pra ganhar a eleição e depois o problema estourar lá na frente. Se a gente for discutir redução de tributo, primeiro, não pode ser só sobre o combustível fóssil, tem que ser sobre outras formas de energia. Tenho certeza de que o brasileiro está tão insatisfeito com o preço na bomba de combustível como com a conta de luz, que subiu muito também. O que a gente tem que fazer realmente no Brasil é uma discussão de diminuir tributo sobre combustível e energia, porque elas são não só para consumo da população como insumos para nossa indústria e pra nossa produção. Dois: a gente tem que discutir porque a gasolina é tão cara e parte envolve a nossa infraestrutura de distribuição inadequada. A rede de gasoduto e oleoduto é insuficiente, não tem crescido. As nossas estradas, em que pese a propaganda do governo, não estão em boas condições. A gente precisa fomentar o quê? Como é que faz cair os preços dos produtos? Não tem fórmula mágica, tem que aumentar a competição no mercado brasileiro, abrir a economia. Se você quer reduzir artificialmente o preço do combustível vai pagar uma conta mais cara lá na frente. Então essa proposta pode ser votada e trazer um benefício importante no momento, mas vai arrebentar lá na frente, porque temos que ter uma solução permanente pra isso, e nós temos proposta. Mas não pode ser uma proposta tipo puxadinho, gambiarra, como é desse atual governo.

Os candidatos da chamada terceira via fizeram manifesto conjunto cobrando um posicionamento do governo em defesa da Ucrânia contra a invasão russa. Qual é o seu entendimento sobre a guerra e como pretende conduzir sua política externa?

O Brasil tem uma tradição importante de não alinhamento, isso havia na época da Guerra Fria, inclusive, com o Brasil buscando um caminho próprio. Agora você tem hoje uma situação clara de um país, a Rússia, que invade outro, a Ucrânia, ou seja, uma violação clara da soberania. E do outro lado o sofrimento, a gente está vendo bombardeio de cidades, pessoas sendo mortas, feridas, numa guerra que não tem propósito. Um país invadir o outro para conquistar é algo que a gente imaginou que já estava ultrapassado há muito tempo. Ou pra colocar um governo fantoche, não sei, violando a autodeterminação da população. O Brasil tem que ter uma posição clara de condenação à invasão. E a gente não viu isso. Vimos o Brasil se manifestar de uma maneira favorável à resolução da ONU contra a invasão, mas infelizmente não ouvimos do principal representante do país, o presidente da República, uma condenação clara. Assim como não ouvimos do candidato Lula. Assim como vimos o PT criticar os EUA pela invasão feita pela Rússia na Ucrânia, o que é algo inimaginável. Nada contra a Rússia, ao contrário, a própria população russa está fazendo protestos, isso não traz bem pra ninguém. Então, temos os nossos interesses internos, temos que nos preocupar com o crescimento econômico do Brasil, temos que ter uma política de boa vizinhança com todos os países. Sou daqueles que acreditam que meu sucesso não depende do fracasso do vizinho, mas gente também precisa se posicionar claramente em temas fundamentais. E esse é um tema fundamental.

SÃO PAULO,SP,05.02.2022:SÉRGIO-MORO-FOTOS-ARQUIVO - O ex Ministro Sérgio Moro e pré candidato a Presidente da República, participa l Fórum  da associação feminina de combate à corrupção, na cidade de São Paulo, SP,  no ultimo  sábado, (05). Fotos de Arquivo. (Foto: Andre Ribeiro/Futura Press/Folhapress)
SÃO PAULO,SP,05.02.2022:SÉRGIO-MORO-FOTOS-ARQUIVO - O ex Ministro Sérgio Moro e pré candidato a Presidente da República, participa l Fórum da associação feminina de combate à corrupção, na cidade de São Paulo, SP, no ultimo sábado, (05). Fotos de Arquivo. (Foto: Andre Ribeiro/Futura Press/Folhapress) | Foto: André Ribeiro/Futurapress/Folhapress

Bolsonaristas consideram que o senhor traiu o presidente ao deixar o governo denunciando tentativa de interferência dele na PF para proteger os filhos de investigações. E os petistas o acusam de ter atuado politicamente como juiz da Lava Jato ao condenar Lula, o que tornou o então candidato inelegível, e na sequência aceitar integrar o governo do principal adversário dele. Como tem lidado com essas narrativas de seus dois principais adversários na eleição?

Tenho uma vantagem do meu lado, que é a verdade. No caso do PT, todo mundo sabe que a corrupção existiu e que ela não surge sozinha, você tem sempre um agente, não tem corrupção sem o corrupto ou corruptor. A Lava jato representou o rompimento da impunidade da grande corrupção. Quando você viu governador sendo preso, presidente sendo preso, presidente da Câmara dos Deputados, dono de empreiteira, como a Odebrecht? Por quê? Porque você tinha um grande esquema de corrupção. Como juiz eu fiz o meu trabalho, só fui convidado para o governo depois das eleições, eu nem conhecia o Bolsonaro. Não existe essa fantasia, existe a corrupção, e o Lula foi afastado das eleições porque tinha sido condenado, não só por mim, mas pelo TRF-4, STJ, e o próprio STF tinha autorizado a prisão dele. O resto é fantasia de quem não quer admitir que fez coisa errada. Dois: do governo (Bolsonaro) eu aceitei e como todo brasileiro me desapontei, porque o governo foi eleito com o discurso de retomada do crescimento, economia liberal, privatizações, combate à corrupção, e essas bandeiras foram abandonadas. Se eu ficasse em abril de 2020 teria traído a confiança da população brasileira que acreditou na Lava Jato e foi aos milhões às ruas, que me apoiou quando eu fui para o governo. Agora, pra ficar no governo, isso o próprio presidente disse, eu teria que defender a família dele contra investigações. Ele falou que tive que sair porque não eu aceitava defendê-lo ou defender a família dele de investigações. E investigações por quê? Por coisa errada, por rachadinha. Se eu ficasse eu teria traído a população. Não vou ficar. A minha lealdade é com a população e não com o presidente Bolsonaro. Agora, mais importante aqui é a gente saber o que vai fazer a respeito. Por isso que eu tenho defendido: ao lado dessas reformas que a gente precisa fazer, tributária e administrativa, pro Brasil voltar a crescer, ter emprego, a gente tem que ter uma pauta ética.

Eu estou defendendo o fim da reeleição para presidente da República, e não é só dizer que vai ser candidato, é fim da reeleição mesmo, aprovar uma emenda pra já valer em 2023; fim do foro privilegiado pra todo mundo, inclusive presidente da República, tem que acabar com esse privilégio, é injustificável tratar o político como alguém superior ao cidadão comum; e a volta da prisão em segunda instância. Tenho também defendido a criação de um tribunal nacional anticorrupção, que aliás tinha na Ucrânia. E queremos fazer a mesma coisa, pois estamos vendo que infelizmente nosso sistema de justiça não funciona em relação a crime de corrupção. Eu duvido por exemplo que você consiga lembrar um nome de alguém ano passado que foi preso no Brasil por corrupção. Ou seja, parou totalmente. Agora, se eu fizer a mesma pergunta: me diga cinco nomes de pessoas que foram presas na Lava Jato por corrupção, voce vai lembrar. Isso é sintomático. Sim, o foco é o crescimento da economia, controle da inflação, temos um plano inclusive de erradicação da pobreza, mas também não vamos abandonar a bandeira ética.

Quando o STF o considera parcial nos processos da Lava Jato e anula as sentenças, essas verdades caem por terra? Teme que isso possa ser usado pelos adversários contra o senhor?

Não, sempre teve corrupção no Brasil e ela sempre foi impune, ninguém acredita que a corrupção acabou. Ninguém foi preso ano passado, alguém acredita que não tem corrupção no Brasil? Não é porque o Supremo comete um baita erro judiciário e anula algumas dessas condenações, com votos vencidos veemente de alguns ministros, que a gente vai passar a acreditar que não houve corrupção no governo do PT, na Petrobras. A Petrobras já divulgou oficialmente que já retornou aos cofres dela R$ 6 bilhões. De onde vem esse dinheiro se não foi da corrupção? Ela diz que a Lava Jato fez com que ela recuperasse R$ 6 bilhões da corrupção do governo do PT. Fatos são fatos, não é um tribunal que vai dizer que esse fato não existiu. O que o tribunal está dizendo, infelizmente, é que se você é rico e poderoso neste país a lei não vale para você. E esse é um recado errado, não é com isso que a gente concorda e nosso projeto visa alterar esse estado de fato.

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