Faz pouco tempo que o Congresso Nacional aprovou o pedido do governo em decretar estado de calamidade pública por conta da pandemia da Covid-19. Os estragos sociais, como na saúde e na economia, ainda não podem ser mensurados, já que não há como prever a extensão da crise. Uma reflexão, no entanto, é unanime: é preciso concentrar esforços para já iniciar agora um plano para recuperar o País quando o coronavírus for controlado. Se as animosidades políticas estavam em alta, o momento, segundo os parlamentares, é de união para poupar vidas e garantir o bem-estar da população. Fica no ar uma pergunta em especial: qual será a agenda possível para o Brasil quando tudo isso passar?

Imagem ilustrativa da imagem A crise mal começou, mas já é preciso buscar soluções
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Os salões das duas casas do parlamento se esvaziaram após a contaminação se espalhar entre os políticos, tendo atingido em cheio ao presidente do Congresso, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Um dos últimos a se retirar, na quinta-feira (19), o senador Oriovisto Guimarães (PODE-PR) afirma que o momento é de comunhão entre os partidos e de distanciamento das disputas partidárias e ideológicas. “O governo precisa abrir mão dos impostos, o que vai enfraquecer ainda mais o caixa que já era complicado. As despesas, por outro lado, não vão reduzir, muito pelo contrário. Precisamos aproveitar esse momento para mudar pontos importantes como o Fundo Partidário. Esse dinheiro deveria ser gasto com a crise e depois precisamos reformar este País, com os olhos no que é essencial”, afirma à FOLHA.

Líder do PT na Câmara, o maringaense Ênio Verri defende que a política econômica do governo, liderada pelo ministro Paulo Guedes, foi por água abaixo. Em sua opinião, o foco nacional precisa ser mantido na saúde e na economia, para garantir a proteção social. “Em um caso como esse, não existe uma medida liberal que possa resolver, somente a intervenção do Estado. Vai caber ao governo ser a máquina de fazer dinheiro”, opina o parlamentar, que é economista. Mesmo posicionado ideologicamente contrário ao governo, Verri vê o momento de coordenação no Congresso. “De forma geral, o parlamento não confia no presidente Jair Bolsonaro, mas todos estão muito conscientes de seu papel, em todos os partidos. Em meio a uma tempestade, é um bom momento para se repensar o cenário em que estamos”, pondera.

Já Rubens Bueno (Cidadania-PR) aposta que as reformas foram adiadas por muito tempo e que o País já poderia estar vivendo outro cenário. “Decidiram por fazer um novo texto da previdência em vez de votar o que estava encaminhado. Agora é complicado discutir a questão tributária e o governo ainda atrasou o envio das mudanças administrativas que só cabem a ele”, critica o parlamentar, que alerta para os rompantes do núcleo mais próximo a Bolsonaro. “A boa vontade existe, mas é preciso que se controle as agressões. O caminho para resolver os problemas não são pontapés. Precisamos estar articulados”, diz o parlamentar à FOLHA.

PANELAÇO

A crise instalada com o alastramento do coronavírus pelo Brasil tem sido acompanhada por um comportamento irregular por parte do presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), apesar de as medidas práticas do governo não serem alvos de críticas diretas. Em meio a panelaços, a favor e contra o governo, o chefe do Executivo nacional contrariou suas próprias palavras e não repensou os protestos do domingo, 15 de março. Mesmo diante do quadro, dois políticos que conheceram opostos da moeda se pronunciaram. Como o caso dos ex-presidentes cassados, Dilma Rousseff (PT) e Fernando Collor (PROS), senador por Alagoas. “Não é o momento de fora ou fica Bolsonaro. O enfrentamento, agora, tornará o Brasil mais dividido e muito mais vulnerável. A obrigação do governo é salvaguardar a segurança e a sobrevivência das pessoas”, escreveu Collor no Twitter. Já Dilma publicou um vídeo com a mensagem: “O Brasil não suporta mais tanto ódio e irracionalidade”.

ESTADO

Na AL (Assembleia Legislativa do Paraná), os olhos também estão abertos em direção às medidas que o governo Ratinho Junior (PSD) está adotando para o combate à crise provocada pela Convid-19. O deputado Requião Filho (MDB) acredita que a política econômica que busca reduzir a participação do estado na economia se mostra ineficaz nesse momento. “Não saberemos como isso se desencadeará. Como as pessoas pagarão por luz e água? Precisamos pensar nisso desde já para que essas dívidas não impossibilitem as pessoas a se reerguerem”, afirma em conversa com a FOLHA. O parlamentar defende mudança no regime de cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), em especial para os pequenos negócios. “Essa crise precisa ser resolvida do micro para o macro. O governo é a única entidade que existe e não precisa ter lucro. É preciso ser progressista e solidário”, conclui.

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ANÁLISE:

Bolsonaro em meio à pandemia

Convidado pela FOLHA, o professor de Ética e Filosofia Política da UEL (Universidade Estadual de Londrina) Clodomiro Bannwart comenta o atual cenário político diante da grave crise de saúde e a disputa política na cena brasileira.

De que forma é possível analisar os futuros movimentos dos nossos parlamentares e partidos no sentido dessa reestruturação que a crise nos impõe hoje?

A olhar os projetos que tramitaram no Congresso Nacional, ano passado, nota-se que os parlamentares assumiram a pauta econômica, deixando de lado as pautas conservadoras, de matriz valorativa e ideológica, caras a segmentos que apoiam o governo. Não vejo que o Congresso tenha deixado o governo numa posição de dependência. A própria postura do presidente de não barganhar cargos com os parlamentares deixou o Congresso mais independente. O que tem faltado, ao que parece, é mais diálogo entre os dois poderes. Não há condições de avançar pautas importantes e reformistas com o presidente insuflando uma horda de apoiadores a expor nas ruas bandeiras que clamam por intervenção militar e pelo fechamento do Congresso e do STF. Do ponto de vista republicano e democrático, o presidente acaba se isolando, diminuindo o papel do Executivo e deixando transparecer a força congressual que parece, por ora, mais aberta para debater e dialogar com a sociedade.

Vivíamos um momento complexo de polarização antes da crise causada pelo coronavírus. Parte dos políticos fala em pacificação. Pelo histórico brasileiro, é possível acreditar nisso?

A polarização que alcançou o ápice nas eleições de 2018 deveria ter diminuído gradativamente em torno de uma agenda comum que fosse capaz de congregar o diálogo, sob a liderança do presidente Bolsonaro, acerca dos interesses que perpassam os diversos setores da sociedade. Ele preferiu, ao contrário, intoxicar o governo com pautas ideológicas, radicalizar o discurso. Essa semana, no entanto, parece que o presidente entendeu estar diante de uma crise real, com consequências imprevisíveis e gravíssimas para a saúde pública e economia do país. A demora, contudo, de Bolsonaro ao assumir um compromisso claro de combater a pandemia do coronavírus, o que ocorreu apenas na quarta-feira (18), já coincidindo com o anúncio da primeira morte decorrente da pandemia, soou para uma parcela da sociedade certa displicência do chefe de Estado diante do quadro que vem sendo construído há semanas pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Outros líderes mundiais também mudaram o tom diante da pandemia. Essa pode ser uma boa oportunidade de reinvenção do Bolsonaro?

Bolsonaro tem perdido a capacidade de fazer valer a gestão dos interesses que permeiam os diversos grupos sociais, inclusive daqueles grupos mais próximos a ele. Ele rompeu com o próprio partido que o elegeu, perdeu apoio de grupos que o apoiaram em sua eleição e defenestrou do seu governo vários nomes que lhe eram próximos. Ou seja, faz uma política que não agrega, que não concilia, mas que produz discórdias. Diante da crise do coronavírus, que é gravíssima, há, sim, chance de o presidente mostrar liderança e protagonizar uma postura diferente daquela adotada até então, capaz de pensar o todo e não apenas focalizar o seu grupo de apoiadores. Provavelmente questões menores sairão do radar da mídia para dar foco, quase que exclusivamente, na pandemia. A maneira como Bolsonaro fará a gestão dessa crise poderá afastá-lo ou colocá-lo mais próximo de 2022.