2013 no retrovisor: os ecos de um grito
As Jornadas de Junho sacudiam Londrina há exatamente uma década. Folha recapitula fato histórico e analisa desdobramentos
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sábado, 17 de junho de 2023
As Jornadas de Junho sacudiam Londrina há exatamente uma década. Folha recapitula fato histórico e analisa desdobramentos
Lúcio Flávio Moura/Especial para a FOLHA

Havia uma certa inocência naquela marcha, naqueles coros, nos cartazes e nas faixas? Talvez. Mas também havia uma determinação em deixar de ser um indivíduo para ser algo bem maior naquela noite de segunda-feira.
Não se sabe precisamente quantos eram, mas por certo eram milhares. Corpos e mentes que viviam a fase de experimentar sensações novas e profundas. A juventude, de novo, ocupava a História para transformá-la, como seus ancestrais haviam feito em 1968, 1984 e 1992.
Em 2013, os “bichos” - que não se reconheciam políticos - deixavam o escuro da hibernação para ficarem bem visíveis na clareira da democracia. No século 21, a caverna já era tecnológica e foi por meio do Facebook que o despertar se consumou.
Na frente do Teatro Ouro Verde, as garotas e os rapazes viram que seus sonhos eram do tamanho de uma multidão. Foi então que se moveram pelo Calçadão para transmitir muitos recados, o principal deles era que havia insatisfação por todos os lados. O “rolê” no centro era pouco para o desabafo.
Desceram a Higienópolis. Perto do cruzamento com a JK reprimiram os que queriam uma oportunidade de divulgar seu partido político. Seguiram firmes até a Madre Leônia Milito, alcançando as partes novas e menos sofridas da cidade. Ao fim e ao cabo, não era só uma marcha que vencia o espaço. Era uma marcha em sintonia com o avançar do tempo - e sua mão poderosa sobre um microcosmo.
E a grande passeata serpenteou também a Ayrton Senna, a Maringá, a Leste Oeste. Até a dispersão no simbólico Terminal Urbano não faltaram pernas, cordas vocais e a companhia das buzinas, de apoio e de irritação.
Em 17 de junho de 2013, o Brasil ferveu. E as borbulhas de Londrina também se dissipariam em poucas semanas. Havia, no entanto, um elemento particular naquela luta dos estudantes locais, como explica o sindicalista e professor da UEL nas últimas três décadas Evaristo Colman, um dos líderes do ato.
CÂMARA OCUPADA
“O sindicato sempre assessorou o movimento dos estudantes em relação ao transporte coletivo, especialmente na parte jurídica. Quando eram presos nos protestos, nós providenciávamos defesa. Foi assim que se criou um vínculo”, lembra Colman, mestre em Serviço Social e doutor em História.

A causa principal do barulho que eclodiu naquela noite de segunda-feira era antiga. Dez anos atrás, o movimento estudantil engendrou o “pula-catraca”, um protesto no qual os estudantes da UEL que embarcavam no campus se recusavam a pagar a tarifa, que havia sido reajustada em R$ 0,25.
A prática se estendeu aos secundaristas, conta o professor, e também em alguns episódios em bairros periféricos. A mobilização incluiu a ocupação do prédio da Câmara dos Vereadores pelos universitários, enquanto os secundaristas faziam um protesto no Terminal Central.
UMA TRAGÉDIA
Após deixar a sede do Legislativo, os estudantes da UEL foram engrossar os piquetes dos secundaristas. Na ocasião, dia 13 de junho de 2003, Anderson Amaurílio da Silva, um jovem com deficiência visual e intelectual, foi atropelado por um ônibus, morrendo 11 dias depois.
No meio de uma troca de acusações sobre a responsabilidade pela tragédia, envolvendo policiais, gestores municipais e empresários do setor de transporte, o movimento decidiu se estruturar e em 2005 criou um comitê que até hoje defende passagens mais baratas para os trabalhadores, passe livre para estudantes e desempregados, além da operação do sistema por empresa estatal. “O objetivo do comitê sempre foi também o de organizar as manifestações e impedir eventos lamentáveis como o do atropelamento do Anderson”, explica.
O trabalho permanente do comitê e a visibilidade das suas causas explicariam por que a mobilização em Londrina foi tão bem-sucedida mesmo sem o gatilho de um reajuste de tarifa, como houve nos grandes centros.
A organização do comitê e a sua preocupação com os chamados “infiltrados” também teriam sido decisivos para que não fossem registrados grandes episódios de vandalismo naquele 17 de junho, um aspecto que nas grandes metrópoles acabou minando o prestígio inicial daquela “primavera”. “O ato de 2013 legitimou e revigorou nossa luta”, avalia Colman.

