Recentemente, repercutiram na mídia notícias de que uma vítima que foi morta, no contexto de violência doméstica, em Londrina-PR, tivera medida protetiva negada pelo poder judiciário dois dias antes do crime. Constou da decisão divulgada que “a decretação de medidas protetivas há que se consistir em exceção, e não regra (como se tornou corriqueiro nos dias atuais)”.

Mas, num país que figura entre os que mais matam mulheres no mundo, estando em quinto lugar, será que é realmente viável tratar como exceção o instituto criado justamente para proteger as vítimas?

Conforme o Mapa da Violência contra a Mulher 2018, a cada 17 minutos uma mulher é agredida fisicamente no Brasil. O ataque é semanal para 75% das vítimas. Em razão desse alarmante e já antigo contexto, em 2006, foi editada a Lei n. 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, com o intuito de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Ainda, diante do altíssimo número de assassinatos de mulheres em virtude do gênero, em 2015, foi elaborada a denominada Lei do Feminicídio, por meio da qual o legislador deu uma resposta penal ao tema, qualificando o crime de homicídio quando cometido no contexto da violência doméstica ou familiar ou por discriminação em virtude da condição de mulher.

Especificamente quanto às medidas protetivas, em seu artigo 22, a Lei Maria da Penha estabelece que, constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz poderá aplicar, de imediato, medidas protetivas de urgência, as quais estão elencadas num rol não taxativo. É comum a utilização de medidas consistentes em proibição de determinadas condutas, como a aproximação e contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas, frequentação a determinados lugares, dentre outras, fixadas com o objetivo de preservar a integridade física e psicológica da vítima.

Para a decretação, assim como ocorre com outras medidas cautelares, é imprescindível a presença do fumus comissi delicti, isto é, o alto grau de probabilidade da materialidade e autoria de um delito, e o periculum libertatis, considerado a partir do perigo gerado pela situação. Porém, o que pode ser exigido da vítima como prova do preenchimento desses requisitos? Será que é razoável exigir que a vítima forneça elementos para além do Boletim de Ocorrência e do Termo de Declarações?

Nesse ponto, não se pode ignorar o contexto em que costuma ser praticado esse tipo de crime, geralmente às escondidas, em situação em que, em termos de elementos probatórios, pouco resta além da palavra da vítima.

Desse modo, exigir que essas mulheres produzam provas adicionais é afastar ainda mais a justiça do seu universo. Por isso, até mesmo por se tratar de uma medida protetiva de urgência, deve-se considerar a palavra da vítima, pois essa medida pode ser posteriormente revista e revogada, se for o caso.

Portanto, o questionamento que ora se levanta caminha no sentido de que por maior que sejam os esforços estatais para punir ou evitar que crimes dessa natureza aconteçam, é necessário dar-se o devido crédito à vítima. A palavra da vítima, que se personificou em verdadeiro pedido de socorro, se ouvida pelo Poder Judiciário, render-lhe-ia ao menos uma possibilidade de vida.

A sociedade assiste amargurada e desesperançosa a um aumento gradativo dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, especialmente em tempos de pandemia, conforme laudo emitido pelo Instituto Maria da Penha, e mais, registram-se agressões de mulheres a cada dois minutos.

A vida de Sandra se perdeu, nada que se faça apaga da história de seus familiares as consequências da conduta criminosa, quanto menos a ausência deixará de ser ressentida. Contudo, espera-se que os holofotes reluzam a tal ponto que as declarações das vítimas contenham em si peso maior de denúncia, de pedido de socorro, a fim de que a tutela estatal não se dirija apenas aos casos irreversíveis, como este.

Que isso, de algum modo, sirva-nos de aprendizado. E que um dia a sociedade possa evoluir e, assim, dar credibilidade às vítimas quando elas, desapegando-se de seus medos ou em razão deles, clamarem por socorro.

Claudia da Rocha e Andressa Sechi Marra, advogadas e professoras no Centro Universitário Unifamma.