O Brasil tem 42 desses bilionários que, juntos, tiveram suas fortunas aumentadas em US$ 34 bilhões
O Brasil tem 42 desses bilionários que, juntos, tiveram suas fortunas aumentadas em US$ 34 bilhões | Foto: iStock

Leio, na página do padre Júlio Lancellotti, que o dono das Casas Riachuelo teria dito que "taxar grandes fortunas reduz a desigualdade, mas empobrece os ricos". Será?

Em primeiro lugar, o que justificaria estatuir imposto sobre grandes fortunas e, em segundo plano, qual o signo legal e metafísico dessa opção administrativa dos governos e seu potencial alcance para as tais "grandes fortunas"?

Impossível enfrentar a questão sem levar em conta nosso contexto pandêmico que – dentre outras consequências - avivou discussão entorno da criação de um imposto sobre as tais grandes fortunas, dando cor a nossa realidade de sempre, com o componente de consideração dos efeitos da peste e seu alcance socioeconômico.

A nova ordem de valores, então, estabelecida não pode mais ser desconsiderada, suposto que as relações de produção pariram um "novo normal" que afeta os mecanismos de convívio e sobrevivência na Terra.

Sob este signo não se desconheça que a pandemia deixou ainda mais escancarada a realidade desigual que alimenta o Brasil, estampando o drama do ciclo exploratório das gentes, nos meandros de um relatório da Oxfam International, divulgado no final de junho...

A Oxfam International abarca a confederação de 19 organizações e mais de 3.000 parceiros, atuando em mais de 90 países na busca de soluções para o problema da pobreza, desigualdade e injustiça, através de programas de desenvolvimento, campanhas e ações emergenciais...

Em seu informe "Quem paga a conta?", a Oxfam demonstrou que, mesmo em plena pandemia, 73 bilionários da América Latina e Caribe aumentaram suas fortunas em US$ 48,2 bilhões, entre março e junho deste ano.

Este valor equivale a um terço do total de recursos previstos em pacotes de estímulos econômicos adotados por todos os países da região. O Brasil tem 42 desses bilionários que, juntos, tiveram suas fortunas aumentadas em US$ 34 bilhões.

Demais disso e por outro lado, o estudo apontou, ainda, que a perda de receita tributária para 2020 chegou a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina e Caribe, o que representa US$ 113 bilhões a menos e equivale a 59% do investimento público em saúde em toda região.

Levemos em conta, ainda, que os chamados "super ricos" pagam menos impostos que todas as demais categorias econômicas (de ricos a pobres, sem esquecer a classe média pois que, senão, ela esperneia, faz biquinho e até bate panela) ...

Esta realidade caracteriza nosso flagelo, estabelecendo verdadeira excrecência social cujo alcance não informa qualquer racionalidade na demanda, ao tempo em que desafia o significado de empatia...

Foi este cenário que possibilitou a uma tantada de especialistas, coordenados tecnicamente pelo economista Eduardo Fagnani, elaborar um documento que reúne oito propostas para a criação de leis tributárias que isentariam os mais pobres e as pequenas empresas de pagar impostos, ao tempo em que gerariam um acréscimo na arrecadação estimado em R$ 292 bilhões, com a tributação incidindo sobre as altas rendas e o grande patrimônio, onerando apenas 0,3% dos mais ricos.

É disso que se fala hoje e é esta a situação que contextualiza a equação social sobre a qual o empresário dono da Riachuelo se manifestou e que eu destaco no primeiro parágrafo deste texto...

Com os números apresentados pela Oxfam, a fala do dono da Riachuelo fica esvaziada nos limites da falácia que a criou, não indo além de uma mentira que, se repetida diversas vezes e não enfrentada com vigor e racionalidade, abarca a própria realidade matemática da situação, estabelecendo a distopia que desnuda o descrédito com que essa gente trata a ciência...

É o paraíso dos terraplanistas, ávidos por confrontarem a realidade científica estabelecida com a distopia que sua fala aparentemente qualificada (mas ele é dono da Riachuelo...) impõe, com o objetivo único de estabelecer um mantra (mentiroso em todos os seus parâmetros) que alimente a matilha de sicofantas que compõe a extrema direita no século XXI...

Não! Taxar grandes fortunas não empobrece os 0.3% de afortunados ao tempo em que também não reduz nossa equação desigual – ainda que nos dê um certo fôlego e permita uma arrumação minimamente decente para o drama de quem passa fome no maior país agricultável do mundo...

Como disse o grande Criolo, "falar demais chiclete azeda". Azedou para o dono da Riachuelo...

Tristes e distópicos trópicos, onde ter vale mais do que ser...

João dos Santos Gomes Filho é advogado em Londrina

 O Brasil tem 42 desses bilionários que, juntos, tiveram suas fortunas aumentadas em US$ 34 bilhões
O Brasil tem 42 desses bilionários que, juntos, tiveram suas fortunas aumentadas em US$ 34 bilhões | Foto: iStock