Um vilarejo chamado mundo
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 01 de junho de 2000
Um vilarejo chamado mundo
Abraham Shapiro
Se pudéssemos reduzir a população do mundo a um vilarejo de 100 pessoas mantendo todas as proporções atuais, 59% de toda a riqueza seria de seis pessoas, todas dos Estados Unidos; os 41% restantes estariam nas mãos das outras 94. Esse dado é da Stanford University e tem por objetivo divulgar as reais condições mundiais às pessoas que as ignoram. Prossegue apontando que, no hipotético vilarejo, 80 pessoas morariam em casas abaixo do desejável enquanto as outras 20 viveriam em casas boas e ótimas; 30 seriam brancas, as outras 70 seriam amarelas, negras ou vermelhas; 70 seriam analfabetas; 52 seriam mulheres, 48 homens; 50 seriam desnutridas e apenas uma (uma só!) teria cursado o nível de ensino superior e teria computador.
Os dados estatísticos da Stanford, ao lado do relatório do Banco Mundial sobre o desenvolvimento nos anos de 98 e 99 redefinindo termos e conceitos para análise do desenvolvimento são dois importantes documentos veiculados pela mídia internacional nos últimos meses.
O Relatório do Banco Mundial traz em sua introdução um texto que é, no mínimo, surpreendente e curioso sobre a riqueza das nações. Relata o que segue: O conhecimento se assemelha à luz. Sua fecundidade e intangibilidade lhe permitem chegar sem dificuldades a todos os confins e iluminar a vida e os seres humanos em todo o mundo. Apesar disso, milhões de pessoas vivem como se não existissem sem nenhuma necessidade na obscuridade da pobreza. Há séculos que se conhece o tratamento de enfermidades simples como a diarréia. E apesar disso, milhões de crianças continuam morrendo em consequência dela porque seus pais não sabem como evitá-la.
O que distingue os pobres sejam pessoas ou países dos ricos não é só que têm menos capital, senão também menos conhecimentos. Com frequência a geração de conhecimentos é algo custoso, razão por que é algo que se produz com mais profusão em países industrializados. Porém, as nações em desenvolvimento podem adquirir conhecimentos em outros países, e também criá-los elas mesmas.
Há quarenta anos, a República da Coréia e Gana tinham uma renda per capita praticamente igual. Em princípio dos anos 90, a renda per capita da Coréia era seis vezes maior que a de Gana. Na opinião de alguns, a metade dessa diferença deve-se ao maior acerto com que aquela soube utilizar seus conhecimentos.
O conhecimento ilumina, também, todas as transações econômicas: revela as preferências, aclara os intercâmbios, orienta os mercados. Do contrário, a falta de conhecimento é o fator que provoca a supressão do mercado e impede sua aparição. Quando alguns vendedores começaram a adulterar o leite na Índia, os consumidores não podiam verificar sua qualidade até depois de havê-lo comprado. Como consequência dessa falta de informação, produziu-se uma deterioração geral da qualidade do leite. Os vendedores que não adulteraram o leite ficaram em desvantagem. No entanto, os verdadeiros prejudicados foram os consumidores.
Outra diferença entre os países pobres e ricos é que os primeiros têm menos instituições para certificar a qualidade, impor o cumprimento das normas e contratos e recopiar e difundir a informação necessária para as transações comerciais. Em numerosas ocasiões eles prejudicam aos pobres. Por exemplo, os prestamistas das aldeias muitas vezes cobram juros de até 80%, devido à dificuldade de avaliar a solvência dos pobres que necessitam de empréstimos.
O texto deste relatório propõe uma conclusão inédita. O Banco Mundial contextualiza o desenvolvimento mundial segundo um novo ângulo, isto é, desde a perspectiva do conhecimento. O capital em si, a exploração dos recursos naturais e o grau de industrialização entre outros parâmetros tradicionalmente considerados não determinam mais, sozinhos, o conceito de desenvolvimento e riqueza. O acesso que as populações têm à informação e as facilidades com que contam para obterem conhecimento constituem-se um novo quesito, o que equivale a dizer que o conhecimento é, hoje, um fator primordial de medida de riqueza para qualquer um, tanto no âmbito pessoal como no nacional.
Cada país e comunidade deve superar todos os desafios para acessar e adquirir o conhecimento e, acima de tudo, valorizar as instituições que ajudam a mitigar as diferenças de informação que chegam às diversas classes sociais. Os pobres, que são os mais castigados pela falta de conhecimento, são os que mais podem ganhar com estratégias que considerem essas dificuldades. Nesse contexto a Internet representa uma vantagem ímpar já que sua proliferação gera um impulso de grande eficiência na transmissão de dados e informação.
É claro que os conhecimentos sobre a forma de tratar enfermidades comuns e melhorar a produtividade agrícola são vitais, porém, o poder do conhecimento vai muito além da influência que podem ter algumas técnicas concretas.
À medida que compreendemos melhor o que pode fazer o conhecimento para melhoria de nossas próprias vidas, nos sentiremos mais animados a buscar novos conhecimentos e a transformarmo-nos em agentes ativos de mudanças.
- ABRAHAM SHAPIRO é engenheiro industrial e diretor executivo do Plano de Desenvolvimento Industrial de Londrina (PDI)
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