Pesquisas são sempre retratos do momento. Podemos relativizá-las, mas não ignorá-las. No Brasil do momento, um presidente que conspira contra o país, contra si mesmo e é claro, contra os brasileiros, vê apesar disso e talvez por isso, (uma hipótese aberrante, mas real), aumentar a sua aprovação.

Já foi chamado de genocida por sua postura negacionista no comando das ações de combate ao Covid 19 que ultrapassaram a trágica marca de 100 mil mortes, verdadeira hecatombe, em parte alimentada pela postura negacionista do presidente, que repetidamente contrariou as recomendações da OMS e do mundo científico.

Como se não bastasse, todos os dias saem informes sobre atos ilegais envolvendo a sua família, rachadinhas, funcionários fantasmas e a proximidade com milícias assassinas. Sempre deixou clara sua posição contrária às Instituições pilares do regime democrático, com declarações públicas como: “Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil (...)”. Além de estimular, pela sua leniência, a devastação da Amazônia. Colou-se ao Centrão, o epicentro da velha política. Mas e daí?

Diante de um cenário desastroso como este, pesquisa recente do Datafolha apontou que os níveis de aprovação do presidente batem recordes. Embora a primeira reação seja de consternação, uma análise mais profunda e cuidadosa revela, acima de tudo a cruel realidade da maioria da população brasileira, que se encontra em condição de pobreza ou indigência e que diante do desespero escolhe o pragmatismo.

O auxílio emergencial de R$ 600 reais para mais de 60 milhões explica boa parte da ascensão nos índices de aprovação do governo. O crescimento mais expressivo se deu entre trabalhadores informais ou desempregados com renda familiar de até três salários mínimos, exatamente os principais beneficiários do auxílio.

O Nordeste foi onde a aprovação a Bolsonaro teve seu maior crescimento. Isso fica particularmente claro quando a mesma pesquisa atestou que 53% dos beneficiários usam o auxílio emergencial para comprar comida e no Nordeste esse número sobe para 65%. Quando se tem a sobrevivência ameaçada, a linguagem mais eficiente é a do estomago.

Além do óbvio histórico, que envolve a adesão de esfaimados aos populistas de plantão, devemos observar com atenção o fenômeno mito, título que lhe é atribuído. A expressiva parcela da população que elevou a patamar significante, um inexpressivo parlamentar, não viu nele o que a maioria enxergava. Outrossim, o Bolsonaro do baixo clero, que disparava suas flechas contra a democracia, que “vociferava enquanto a carroça passava”, estava conquistando milhões de corações por esse país afora.

Quando, a partir do impeachment da Dilma, começou a usar melhor do que ninguém a mídia social e a tornar as fakes news patrimônio nacional, a base já estava consolidada. Tornou-se a namoradinha de um Brasil faminto e nostálgico do tesouro perdido com a redemocratização. Sendo mito, embora de barro tosco, não poderá ser quebrado. Ele não é apenas o farol que mostra o porto seguro. Não é simplesmente o presidente eleito do Brasil. Não é um mero político. Tornou-se no símbolo que traduz a vida de milhões de cidadãos. Como uma bandeira; ninguém conspurca a sua própria bandeira. Nenhuma contradição interna, ato ilegal irrefutável ou mediocridade administrativa, o poderá remover ou quebrar. Perguntem ao Moro, ou espere-se mais um pouco para fazer a mesma pergunta ao Guedes. Os não necessitados que aumentam os aplausos ao mito, o fazem porque ele é tão necessário como qualquer crença. Religiões são inócuas a qualquer discussão. Estamos no limiar de uma nova religião nacional.

Manuel Joaquim Santos – padre arquidiocese de Londrina

Luis Miguel Luzio dos Santos – Professor de Socioeconomia - UEL