A exploração do trabalho infantil é um reflexo de um conjunto de desigualdades perpetuadas em nossas sociedades
A exploração do trabalho infantil é um reflexo de um conjunto de desigualdades perpetuadas em nossas sociedades | Foto: iStock

O ano de 2021 foi eleito pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como ano internacional para a eliminação do trabalho infantil. Contudo, a erradicação do trabalho infantil está longe de ser atingida e, de forma ainda mais grave, o problema vem aumentando nos últimos anos, associado ao conjunto de crises que envolvem os impactos da pandemia do novo coronavírus.

Dados do relatório “Trabalho infantil: estimativas globais 2020, tendências e o caminho a seguir”, publicado pela OIT juntamente com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), revelam que houve aumento 8,4 milhões de crianças em situação de trabalho infantil no mundo, nos últimos quatro anos. No Brasil, dados anteriores à pandemia, referentes ao ano de 2019, já apontavam para 1,7 milhões de crianças e adolescentes nesta situação, sendo que 40% em atividades caracterizadas como os piores tipos de trabalho infantil.

A fiscalização de empresas, a ampliação e enrijecimento da legislação de proteção, o acompanhamento às famílias identificadas, as campanhas de sensibilização são, entre outras, iniciativas imperiosas e urgentes para enfrentar esta problemática.

Aqui se pretende chamar atenção para a necessidade de refletir e enfrentar as causas de tal fenômeno. A exploração do trabalho infantil é um reflexo de um conjunto de desigualdades perpetuadas em nossas sociedades. Embora existam exceções, o trabalho infantil ocorre em famílias que vivenciam a pobreza, a fome, a falta de acesso aos serviços básicos essenciais.

É o momento para discutirmos o acesso à renda na sociedade brasileira em um cenário em que se amplia o número de desempregados, desalentados ou ocupados no trabalho informal. O salário mínimo está muito aquém do valor necessário para manutenção das despesas básicas de uma família. Logo, é desafiador discutir trabalho infantil, quando se enxerga nessa prática uma estratégia que se vincula à sobrevivência.

É tempo de amadurecer a implementação da Lei 10.835, aprovada em janeiro de 2004, que prevê uma renda básica universal para os brasileiros. A legislação, que é uma das sementes dos programas de transferência de renda, se apresenta como possível caminho de superação das adversidades decorrentes da desigualdade no Brasil. Evidentemente, não se trata de uma solução milagrosa, mas de uma base, a partir da qual é possível pensar em tantos outros investimentos: educação, qualificação profissional, emprego, moradia, saneamento básico, entre outros.

O questionamento que pode ser feito, diante de tal proposta, é de que não existem recursos públicos suficientes para tanto. Por isso, debater qualquer problemática social não é assunto raso e será necessário avançar no conhecimento e gestão democrática do uso dos recursos públicos. Isso porque o dinheiro que sai do bolso do cidadão como tributo, nem sempre volta como serviço público, mas sustenta privilégios de um conjunto muito limitado de contribuintes. Assim, enfrentar o trabalho infantil pode estar relacionado à urgente necessidade de uma reforma tributária e a novas concepções acerca do uso dos recursos públicos.

A desigualdade de renda não é a única causa do trabalho infantil, mas deve ser considerada com responsabilidade quando se tem em mente sua superação. Destaco, ainda, a necessidade de valorizar o papel da escola e da educação. Lugar de criança não é no trabalho, é na família e na escola. E isso se estende também aos adolescentes, que devem ter legitimado seu direito ao trabalho protegido, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente: a partir dos 14 anos, na condição de aprendiz, com remuneração adequada e sem abandonar seus estudos.

Espero que o Ano internacional para eliminação do trabalho infantil, bem como o conjunto de reflexões e decisões exigidas pela pandemia vivida desde 2020, nos orientem para a construção de uma sociedade mais justa, sem que crianças e adolescentes, nem mesmo adultos, sejam obrigados a aceitar os mais degradantes tipos de humilhação para poder sobreviver.

Neiva Silvana Hack é mestre em Tecnologia em Saúde, especialista em Gestão Social, bacharel em Serviço Social, professora e pesquisadora do Centro Universitário Internacional Uninter