Pare e pense. Lembre dos churrascos e reuniões de família. Lembre dos primos, tios e tias. Até mesmo irmãos. Com certeza você vai encontrar um.

Toda família tem aquele tio que tira sarro da camisa rosa do sobrinho ou que faz piada com genitais de japoneses.

Tem aquele primo que acha que na favela todo mundo é bandido. Aquela tia que não aceita o namoro da filha com um negro.

Todo mundo conhece aquele outro tio mais velho que faz questão de mostrar a namorada 30 anos mais nova e falar mal das mulheres mais velhas, mesmo as da família.

Você vai lembrar sim, daquela tia que diz que a casa é responsabilidade da mulher e que o homem é quem deve sustentar a família. Que vai dizer que quem se preocupa com mato é esse povo vegetariano. Que não precisamos de árvores.

Aquele outro primo que diz que cinema brasileiro só tem putaria e que fala mal da Lei Rouanet mesmo sem saber o que ela faz.

Todo mundo tem aquele tio popular que diz que vai se candidatar a algum cargo político e dar emprego para todo mundo. Que chama o prefeito de corrupto mas promete dentadura antes mesmo de se eleger.

É triste, mas a realidade é que um homem como Bolsonaro é o retrato do brasileiro médio, assim como muitos em sua equipe. Basta ouvir uma de suas falas ou ver o vídeo em que ele “faz flexões” para perceber que temos um na nossa família. Às vezes mais de um. Às vezes dentro de casa mesmo.

Herdeiro de Macunaíma, Zé Carioca, Chicó e João Grilo, este brasileiro médio é preguiçoso e usa do “jeitinho” para disfarçar sua incompetência. Todos conhecemos este tio. Este primo.

Soma secretamente todos os preconceitos que ele tanto se gaba e, ao mesmo tempo, diz não ter. Gente que diz que a religião deve ditar a cultura. Que acha por bem desacreditar estudos científicos de séculos porque “não concordam”. Que desmerecem este ou aquele adversário porque são casados com pessoas do mesmo gênero. Que relativizam seus crimes enquanto apontam o dedo para o crime do outro. Que grita o terrorismo do adversário e se esquece que já foi punido com o mesmo termo. Que, dizem, foi capaz de inventar uma facada para ganhar uma eleição. Que não têm vergonha de dizer que a Nasa está errada ou de, em atitudes infantis (e sem ter espelho em casa), ofender a aparência de presidentes e suas esposas quando lhes faltam argumentos contundentes.

Ninguém pode dizer que não sabia ou que foi falta de aviso. Acreditar que alguém que em 30 anos de vida política não foi capaz de um único projeto aprovado seria um bom presidente é, no mínimo, ingenuidade (para dizer pouco). E ninguém pode dizer que não conhece alguém igual.

FLÁVIO JAYME, empresário, escritor e jornalista cultural em Curitiba