O "terrivelmente" evangélico André Luiz de Mendonça, que é advogado-geral da União, foi o indicado pelo presidente Jair Bolsonaro à vaga de ministro no STF
O "terrivelmente" evangélico André Luiz de Mendonça, que é advogado-geral da União, foi o indicado pelo presidente Jair Bolsonaro à vaga de ministro no STF | Foto: Alan Santos/PR

O presidente da República, tem insistido em seu desejo de nomear para o Supremo Tribunal Federal, um ministro “terrivelmente evangélico”. Como tantas outras expressões da época bolsonariana, várias que não se enquadram no Dicionário Aurélio, também esta foi cunhada para ficar nos anais do estranho e terrível período da nossa história, que estamos vivendo.

A presença de evangélicos, católicos, umbandistas, espíritas e tantos outros religiosos, nos vários segmentos de poder, no Brasil ou em qualquer outro país do mundo, não constitui nenhuma novidade. Nem pode ser tão pouco, motivo de qualquer desconforto ou crítica. Por dois motivos simples e que não são paralelos! A confissão religiosa, embora de vivência comunitária, é uma opção pessoal, de foro íntimo. Ela não pode enriquecer ou diminuir currículos, fazer parte de concursos públicos ou de entrevistas várias. A opção de fé, não deve se tornar patente quando do exercício da cidadania num país laico. Os cidadãos vivem a sua experiência confessional de forma livre e a levam constitutivamente para a sua vida pública e privada.

Neste sentido, um presidente, um ministro ou um simples funcionário público, são o que são pela sua índole e/ou fruto de suas opções. Porém, é pela observância das leis e regras do jogo onde estão inseridos, que eles serão avaliados. Por outro lado, sabemos que a demonstração das suas convicções religiosas, numa atitude de missionariedade intrínseca, leva os crentes de qualquer religião a desejarem, mais do que influenciar (embora às vezes seja uma triste realidade), testemunhar a sua fé in loco.

Algumas denominações religiosas têm em seu bojo a missão primordial de “missionar”. Em momentos históricos conturbados, o mundo assistiu a proselitismos terríveis, envolvendo a força da dialética associada às armas! Foi uma tragédia. Para a religião e para o mundo!

Portanto, a presença de religiosos no STF ou em qualquer organismo do Estado de Direito, é absolutamente normal. Contudo, o que não se coaduna com a Constituição, a Bíblia de um país, é que, num sistema imperfeito como nosso, cabendo ao presidente nomear os ministros, ele o pretenda fazer, escolhendo-o segundo critérios avessos ao objetivo principal da Corte!

É aqui que nos confrontamos sem estranheza, com mais uma discrepância do mandatário de plantão. Afoito no domínio das várias instituições de monitoramento e controle, incluindo-se Polícia Federal, Coaf, Receita, Procuradoria Geral da República, confirma agora o seu desejo de avançar para dentro do STF, com alguém “escolhido a dedo”. O Brasil não questiona o currículo do candidato preferido de Bolsonaro. Isso compete aos senadores da República, a quem cabe o escrutínio. O que chamamos de aberração, é o critério “terrivelmente evangélico”!

Em vários casos, recentes ou não, a mudança de perfil da Corte Suprema (em alguns, de forma radical), determinou o futuro político de uma nação! Nunca é demais denunciar, portanto, que estava na hora de rever a sua constituição e a própria nomeação dos ministros. Embora num passado recente, no Brasil, as excelências supremas, tenham manifestado independência a quem os indiciou, não pode o país confiar apenas nesse “personal sense”!

A Constituição brasileira no artigo 101 é clara nos requisitos para alguém fazer parte da Corte: "Ter mais de 35 anos e menos de 65; estar no pleno exercício dos direitos políticos; ser brasileiro nato; possuir notável saber jurídico e lograr reputação ilibada e é claro, ser indicado pelo presidente da República". O que a Constituição não reserva, é o direito do indicador querer um advogado no STF ou, a meu ver pior, querer que o STF endosse e sacralize pautas que na ótica do presidente, são o melhor para a nação! Seria bom para todos, que o mandatário se restringisse aos critérios constitucionais!

Ser terrivelmente evangélico ou tradicionalmente católico, ou ainda exímio budista ou quem sabe piedoso islâmico, não são conceitos que devam envernizar os candidatos ao STF. Num país teocrata como o Irão, talvez. Mas não aqui.

Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos é padre na Arquidiocese de Londrina