Leio, na rede mundial, que um certo astrólogo estadunidense da Virgínia veio ao Brasil e está sendo cuidado de enfermidade pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

Ao que consta da matéria, o guru da extrema direita tupiniquim luta há alguns anos com as consequências da doença de Lyme, popularmente conhecida como "doença do carrapato".

Que ele se recupere é meu desejo cristão, ainda que o parasita externo me mereça a simpatia que não concedo ao astrólogo, na conta do estrago civilizatório que seu negacionismo politizado custa à humanidade, suposto que a visão esquálida do apedeuta em chefe da extrema direita, sobre a vida e o mundo, é mais nociva do que o próprio carrapato...

É fato, todavia, que pelas redes sociais prolifera o desfile dos imbecis om voz e esta pequena berlinda dá aos pobres de espírito uma falsa medida de que são relevantes e de que sua opinião importa.

A imbecilização das mídias sociais agride os desfavorecidos, expondo as minorias ao abandono de qualquer visão progressista do estado. Este abandono diabólico se deu à sombra do obscurantismo...

O obscurantista pariu terraplana e, com ela, as mentiras políticas que mitigam os cuidados individuais e coletivos que a pandemia demanda, propiciando ao vírus proliferar além do que proliferaria em um ambiente minimamente racional...

Demais disso, creio que quanto mais rápido ele se recupere, mais depressa volte à sua Virgínia...

Noves fora o estorvo civilizatório do pensamento único, não é da pessoa de Olavo de Carvalho que penso tratar aqui e sim do SUS, a quem rendo homenagem: salutant vos, qui vivunt...

Impressiona o quanto o SUS é excelente e muito maltratado em nossa composição institucional de viés privatista. Neste contexto, há algum tempo queria dizer qualquer coisa nesta Folha sobre as seguidas matérias esgrimidas pelo cirurgião cardíaco Francisco Gregori – que são anteriores à pandemia...

Francisco confronta a atual administração do nosocômio por sua paulatina preterição do paciente SUS, sugerindo uma certa elitização do Hospital Evangélico – apontou casos em que os pacientes SUS chegavam a aguardar até 40 dias "internados" por uma cirurgia, expostos à riscos de colonização por bactérias...

Por óbvio, pacientes de convênio e particulares não enfrentam tal dificuldade...

Essa espera grandiosa, muitas veze, obriga o cirurgião dar alta hospitalar ao paciente SUS, com lesões de artérias coronárias para, em casa, descolonizar e tornar a internar no aguardo da vaga para a cirurgia...

Não sei o que passa na administração do Hospital Evangélico, mas sei da grandeza de Francisco Gregori, bem assim da excelência de sua atividade médica ao longo dos últimos cinquenta anos. Sei também que sua equipe é, ao lado da esquadra do Incor/SP, recordista em cirurgias cardíacas pelo SUS nos últimos dois anos (anteriores à pandemia), com média de 150 intervenções ao mês...

Isso não é pouco e deveria ser motivo de reconhecimento, na medida em que revela a atividade laboral de um médico de excelência, ao longo de meio século, a serviço do sistema de saúde – por óbvio que esta conjuntura não elide ou impede, tanto quanto, atendimentos particulares...

Digo mais: quando este mesmo médico de excelência detém respeito (da classe) e reconhecimento (da sociedade), não podemos deixar de ouvi-lo...

Afinal, o que passa com a gestão administrativa do Hospital Evangélico? Será que o presidente da Associação Evangélica Beneficente de Londrina, mantenedora do nosocômio, conhece essa situação?

Em face do que noticia Francisco Gregori, com ênfase na forma com que expõe sua querela com a atual administração da casa de saúde, penso que o hospital e sua mantenedora deveriam se manifestar...

Deveras, estamos em plena pandemia e qualquer mitigação ao alcance do SUS é, em grande medida, um prato cheio para a não cicatrização de nossa dívida interna.

Exposto além da conta ao alcance letal do vírus, o menos favorecido não pode ver ainda mais diminuída sua já pequena (quase ínfima) zona de proteção. A fala de Francisco aponta mais esta chaga em nossa esquálida equação social.

Lembro, entretanto, que há certas coisas que o dinheiro não deveria comprar: decência e um guarda roupa na zona do baixo meretrício...

Tristes e elitizados trópicos onde saúde tem preço e terraplana é tratada pelo SUS.

Saudade Pai!

João dos Santos Gomes Filho é advogado em Londrina