Perder alguém que amamos é uma das experiências mais difíceis da vida. É como se o mundo em que vivíamos fosse subitamente destruído: junto com a pessoa querida, perdemos nossa autoestima, nossa identidade e a ilusão de estarmos imunes aos perigos da vida. O mundo que resta se torna um lugar desconhecido e hostil, que nos fere a cada prova de que nele não habita mais aquela pessoa.

Lidar com a perda, portanto, é reconstruir. É pôr em movimento o luto, o extenuante trabalho de revisitar as memórias relacionadas àquele que perdemos, conferindo um novo sentido para elas. Nesse momento, suspendemos o interesse nas atividades cotidianas e nos projetos. Sentimos raiva, tristeza, medo e desamparo. Tudo que vemos ou sentimos nos remete à pessoa falecida. E isso dói, porque sabemos que a reconstrução da nossa vida se dará com um pedaço faltante: mesmo depois de concluído o luto, não voltamos a ser os mesmos que fomos.

Assim, o luto é, acima de tudo, um exercício de autorização para sobreviver. Longe de ser um processo de esquecimento, o trabalho de luto é um movimento de liberdade, que embora interrompa temporariamente a vida, permite que ela prossiga apesar do sofrimento. A maneira com que cada um vivencia esse processo é absolutamente individual. Para algumas pessoas, o luto parece drenar as energias do corpo, demandando repouso. Para outras, a atividade física ajuda a dar vazão ao excesso emocional que o luto provoca. Pode haver insônia, perda de apetite e, mesmo, mal-estar físico. Não há regras.

De acordo com os recursos disponíveis, cada um enfrenta a perda de forma singular e em um tempo que também é singular. O sofrimento não tem uma duração determinada e, dessa forma, não raro desafia a nossa paciência. Contudo, o luto não é uma doença e deve encontrar espaço no laço social para que seja escutado e acolhido, evitando-se, aí sim, que assuma uma forma patológica.

É muito difícil lidarmos sozinhos com uma experiência tão angustiante. Por isso, o tempo do luto é o momento de estar próximo às pessoas que nos são importantes. Seja a família, amigos ou pessoas que já sobreviveram à perda e estejam dispostas a ajudar. Existem grupos de apoio emocional que são de grande auxílio e, se necessário, um profissional qualificado também pode ser de grande valia. Permita-se descobrir qual é a melhor forma de passar pelo seu luto, garantindo um espaço em que se possa falar, repetir e chorar, se isso fizer bem para você.

No caso em que você esteja acompanhando a pessoa que sofreu a perda, esse é o momento de estar com ela, mesmo que apenas fisicamente. Ofereça sua escuta sem julgamentos, mas respeite seu silêncio. Muitas vezes, abraçar é melhor do que as frases prontas, como “foi melhor assim”, que podem ser sentidas como uma violência pela pessoa fragilizada. Lembre-se, é comum que a pessoa esteja irritada ou que queira falar de assuntos que costumam gerar aflição, como a perda do sentido da vida. Tenha paciência, isso faz parte do processo. Na dúvida, pergunte, às vezes a pessoa só precisa que você leve o cachorro para passear.

Estamos vivendo em um tempo de grandes perdas coletivas e individuais, para as quais o luto está tomando diferentes formas diante da urgência em sobreviver. A diminuição do tempo dos rituais contribui para que a perda em si seja uma experiência ainda mais desorganizadora e o distanciamento social, absolutamente necessário, torna mais solitário um momento que já é de

solidão. Por isso, fortalecer vínculos é a melhor estratégia de enfrentamento que temos para lidar com o sofrimento que tomou proporções mundiais.

Amanda Armstrong Lemes é mestranda em psicologia pela UFPR, colaboradora do Projeto de Extensão Luto e Prevenção do Suicídio. O tema do artigo foi um pedido do Coren/PR, enlutado pela perda de profissionais de enfermagem no combate à pandemia de Covid-19.