''Comunidade aprova fechamento e venda de vielas'' e ''Vielas são lacradas com grade retirada do Bosque e cimento doado pela comunidade, resolvendo a questão da segurança, uma antiga reivindicação dos moradores'' foram notícias recentes sobre o Jardim Shangri-lá em Londrina. Evocam a mobilização da comunidade, a sustentabilidade pelo reaproveitamento de material, ação conjunta de órgãos oficiais e a comunidade, a solução da segurança, mas não consideram a importância do bairro enquanto patrimônio histórico ambiental urbano.
Não estamos fechando vielas em um bairro qualquer. Trata-se do Jardim Shangri-lá, ressonância primeira do movimento das ''garden cities'' e ''garden suburbs'' no Norte do Paraná e suas vielas como um dos elementos definidores do caráter da paisagem.
Bairros jardins inspirados no modelo britânico se espalharam mundo afora, inclusive no Brasil, na primeira metade do século XX. Hoje são considerados locais nobres e valorizados, como é o caso do Jardim América e do Jardim Europa em São Paulo, tombados pelo Patrimônio Histórico daquele Estado. Seu traçado e tipologia de edificações não podem ser modificados, permitindo conservar a atmosfera de ruas intensamente arborizadas, pontuadas de praças e ruelas, apesar de todas as implicações de estarem encravadas numa megalópole.
O Jardim Shangri-lá ou o ''paraíso perdido'', projetado pelo arquiteto paulista Leo Ribeiro de Moraes, foi o primeiro loteamento aprovado segundo as diretrizes da Lei 133/51 de Zoneamento e Arruamento de Londrina, desenvolvido pelo renomado urbanista Prestes Maia. Implantado numa antiga fazenda de café, local alto com vista magnífica, água em abundância, saudável, seguia a morfologia das ''garden cities'' e ''garden suburbs'', introduzindo um inovador traçado de ruas curvas.
Uma caixa d'água mirante permitia ao visitante visualizar o empreendimento lá do alto. Outras características do traçado eram as praças em crescente e sistema de vielas que facilitavam o caminhar entre as extensas quadras. O bairro foi ainda pioneiro no uso do asfalto e na arborização estética. O conjunto de elementos definidores da paisagem continua reforçando o caráter do bairro. Resultam numa atmosfera agradável, única e atrativa.
Uma foto aérea dos anos 60 mostra a ocupação dos lotes junto às vielas, evidenciando a aceitação deste tipo de inovação urbanística. Pioneiros relatam as vielas como locais seguros, de divertimento das crianças e caminho de ida à escola. O gradual abandono redefiniu territórios e desusos. Apesar disso, ainda hoje, algumas seguem como importante alternativa de circulação de pedestres.
A simples venda e fechamento das vielas parece ser um contrassenso, visto que em outras partes da cidade a retomada do espaço público é considerada a ordem do dia. Talvez o fechamento temporário e reversível, criterioso, visualmente permeável por meio da utilização de grades com portões controláveis, seja uma boa alternativa.
É frequente na cidade a tentativa de associar o significado do seu nome à Pequena Londres. Não por acaso essa é a temática do novo shopping da cidade. Reconhecer e preservar o Jardim Shangri-lá, um bairro jardim com genuíno DNA inglês poderia ser importante estratégia de marketing urbano de Londrina.
HUMBERTO YAMAKI é docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Londrina