Morreu, ainda ontem, um dos gênios da humanidade – o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, de quem sou fã (de carteira assinada) desde sempre.

Fotografia é a arte que me assanha o espectro contestador, a tempo e altura de definir o cara que estou – não sei se tenho espaço evolucionário ainda, suposto que venho em mutação severa, mas parece que sessenta anos mexeram comigo e a mudança que me transformaria veio a destempo da que não me adaptou ao mundo das valenças equivocadas que desenhamos.

Pareço-lhe saudosista? Nem um pouco...

Tivesse eu a oportunidade de tietar uma entre duas mulheres pré-estabelecidas (Virginia, a influenciadora, e Marina Silva, a amiga da mata), é com esta última que eu tiraria de selfs a encômios e dançaria um tango de Piazzolla – suposto que Marina é um farol a alumiar as valenças do bem viver, ao passo que Virginia não é senão uma pobre influenciadora com milhões e milhões de seguidores.

Mas é de Sebastião Salgado e seu olhar profético que quero falar e não das mudanças que a vida me trouxe a ponto de não reconhecer nenhum relevo no fato de estar vivendo uma época onde aparência é mais que essência e ter é mais que ser!

É dele, Salgado, o entendimento de nossa descontinuação empática, naquilo que relaciona o que estamos fazendo com nossos celulares enquanto uma nova linguagem comunicativa e não fotografia.

Deveras, essa nova linguagem a que Salgado se refere se caracterizaria no excesso, no descarte, nas perdas e no desencontro, enquanto fotografias são memórias que contam histórias e criam arquivos.

Naquilo que fotografias espelham a sociedade, a linguagem nova criada pelos fones celulares é nada, porquanto se projeta não na vivencia e sim na busca pela velocidade das relações, deixando pelo caminho as valenças de um modelo que se venceu na velocidade, ao tempo em que deslembra a passagem do tempo.

Há fotos de Sebastião Salgado que tangem desencontros, projetando (enquanto documento histórico) uma época que, feito um corte na história, espelham o fato – nu e cru – não permitindo desconstruir o que passou.

Fotografia conta uma história ao tempo em que a documenta!

Inúmeras fotos de Sebastião Salgado tem o condão de emocionar este que vos escreve, profundamente, mas há uma, em específico, que me põe ao pé da cruz a espiar a divindade humana.

Falo de uma sua foto tirada em Serra Pelada, onde o branco e preto de sua arte retratam um local lavado pelo barro e encaminhado por pessoas carregando petrechos de buscar fortuna, ao passo de formigas que modificam a paisagem, emoldurando na parede de minha vida o neoliberalismo em estado bruto, naquilo que revela o limite do homem a sua força de produção, elastecida à sombra da mais valia.

Há muitos caminhos revelados na foto histórica de Sebastião, todos eles conduzem ao homem modificando a paisagem à cata de riqueza – e talvez seja essa a maior de nossas desventuras: buscar por fortuna e não por caminhos que levem ao amanhã.

Amanhã e fortuna, todavia, não são braços de rios caudalosos a se comunicarem pela vida – antes o contrário; enquanto aquela atende a necessidade de se preservarem as relações de produção (com a natureza e o próprio homem), esta serve ao espectro explorativo do homem (pelo homem e com a natureza).

Há um polo de conflito evidente que o neoliberalismo tentou obnubilar com o pagamento pela exploração – mas este jamais poderia ser justo o suficiente, exatamente pela necessidade de se lucrar sobre o esforço alheio.

Mais valia baby, mais valia...

Noves fora (em homenagem a meu irmão oriental Luiz Nobuo), seguimos pela vida nos esquecendo do que é verdadeiramente importante, suposto que o luxo e as comodidades exangues aos motivos explorativos que a vida conjuga, escapam da humanização que nos caracterizaria e, por exemplo, permitem que o governo sionista de Israel siga matando os palestinos com armas estadunidenses.

‘Assim caminha a humanidade, a passos de formiga e sem vontade’, diria Lulu Santos, enquanto a vida agradece pelas formigas e lamenta os passos tirados pelas gentes em direção à exploração da força de trabalho e da própria natureza.

Tristes e descontinuados trópicos, onde um dos gênios da humanidade se despede da vida e as pessoas não se modificam em nada, justamente porque, para essa geração que faz self, a história é o que se lhes agrada e não o que, efetivamente, viveram os nossos pais, nossos avós e bisavós.

Passou que a vida passou e nós não percebemos!

Obrigado Sebastião, por me lembrar da história pela lente da vida.

Saudade Pai.

João Gomes Filho, advogado

Os artigos, cartas e comentários publicados não refletem, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina, que os reproduz em exercício da sua atividade jornalística e diante da liberdade de expressão e comunicação que lhes são inerentes.

COMO PARTICIPAR| Os artigos devem conter dados do autor e ter no máximo 3.800 caracteres e no mínimo 1.500 caracteres. As cartas devem ter no máximo 700 caracteres e vir acompanhadas de nome completo, RG, endereço, cidade, telefone e profissão ou ocupação.| As opiniões poderão ser resumidas pelo jornal. | ENVIE PARA [email protected]

mockup