Li algures há poucos dias que a Alemanha fará um teste sobre renda mínima universal, no valor de 1.200 euros. O total não nos interessa aqui, pois é bem relativo para o efeito. É, porém, significativo, que essa ideia não seja inédita e já tenha sido abordada por outros países com o mesmo intuito. Trata-se, em última análise, de combater a desigualdade social, colocando dinheiro na praça e movimentando a economia. O retorno não se faz esperar.

Aliás, o que permitiu ao Brasil chamar de marolinha a crise de 2008 e driblar o primeiro impacto dessa funesta onda mundial, foram exatamente os programas sociais. A atual gravíssima crise que o país vive, ainda é mitigada junto aos pobres pela continuidade dessas e de outras políticas. Os 254,4 bilhões governamentais em parcelas de 600 reais – agora metade – foram de extrema importância em tempos de pandemia e nos fizeram colocar de novo o assunto em pauta.

A concentração de renda a nível mundial e local atingiu níveis jamais alcançados e tornou-se no maior escândalo da humanidade e da sua história. No Brasil, os 10% mais ricos têm renda 13 vezes maior do que os 40% mais pobres. 55% da renda nacional fica com os 10% mais ricos.

Oito pessoas no mundo acumulam riquezas equivalente às posses de 3.6 bilhões das mais pobres. Sete em cada dez pessoas no mundo vivem em países que sofreram aumento de desigualdade nos últimos 30 anos. O panorama mundial perverso vem se tornando a cada ano mais visível. O atual projeto de reforma administrativa se apresenta tremendamente tímido ao deixar de fora algumas classes.

O Papa Francisco lançará no dia 4 de outubro uma nova encíclica exatamente sobre este assunto. Ele tem destacado ao longo de suas catequeses, no mês de agosto, que a pandemia agravou os problemas sociais, nomeadamente a desigualdade. O que tem caraterizado o pensamento papal é a convicção de que os sintomas desse flagelo revelam uma doença social. Chega a comparar isso a um vírus que vem de uma “economia doente”.

Francisco tem sido uma voz firme no atual momento. A doença a que ele se refere é o fruto de um crescimento econômico injusto que ignora os valores humanos fundamentais. Seu discurso tem essa ideia como eixo central. Por outro lado, não escapa ao papa da encíclica Laudato si, que este modelo econômico perverso não respeita o planeta, que ele chama carinhosamente de Casa Comum. “A desigualdade social e a degradação ambiental caminham juntas”.

O atual papa costuma dizer que Deus não deu uma carta branca ao homem para dominar a Terra! Apenas lhe emprestou esse belíssimo planeta para que dele cuidasse e vivesse. Se podemos tirar da Terra o que ela nos dá, também temos o dever de protegê-la. Malgrado pareça um tema deveras atualíssimo, Francisco não fala nada de novo ao abordar o destino universal dos bens.

Sublinhando a ideia central da Bíblia, o Vaticano II e o Catecismo da Igreja Católica já deixam claro que o homem não deve considerar as coisas externas que legitimamente possui, como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si, mas também aos outros.

O papa João Paulo II a quem se atribui uma imprescindível colaboração para o fim do regime comunista na Europa, escreveu em pelo menos dois documentos (Centesimus annus e Sollicitudo Rei Socialis) sobre a relativização do direito à propriedade; fazendo coro com a maioria das constituições, diz que não é um direito absoluto e, portanto, pesa sobre qualquer bem próprio um compromisso social.

A Igreja Católica de Francisco está sintonizada com os países sérios e responsáveis, enxergando na renda universal, um compromisso com os que, ao longo da história nunca conseguiram se emancipar. Acentuando-se um fundamento teológico no convite universal à mesa do banquete da vida, percebe-se, contudo, da parte de governantes inteligentes, a descoberta de que uma nação que combata a desigualdade histórica é mais pacífica socialmente e pujante economicamente. Os fossos sociais são perenes fontes de violência e conturbações.

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina