Que o governo acorde para o campo

Walmor Macarini

O presidente Fernando Henrique Cardoso deveria vir pelo menos uma vez por ano a Londrina, aproveitando o evento da Exposição Agropecuáária e Industrial (agora a quadragésima, que começa hoje), para ter a oportunidade de sentir o pulsar do mais vigoroso sustentááculo da economia brasileira, que é o agronegócio. Deveria trazer com ele o superministro Pedro Malan, da Fazenda, o homem que tudo pode e tudo decide, no Brasil, e que, pelo desprezo que devota à atividade do campo – e à atividade de todas as classes produtoras em geral – tanto estrago tem causado ao país.
Não se imagina como o presidente da República e o poderoso ministro nunca tenham desejado conversar com os produtores rurais, para ouvir o que eles têm a reivindicar, e nunca tenham se apercebido de que o grande salto de desenvolvimento nacional só ocorreráá pela via dos negócios da agricultura. Com todas as dificuldades que, historicamente, sempre enfrentou, pela ausência de uma política agrícola oficial e ante uma inexplicáável resistência governamental à atividade do campo, ainda assim este é o segmento que mais emprega, no Brasil.
Parece que nossos governantes – Fernando Henrique, Pedro Malan, Jaime Lerner – sentem vergonha de parecer-se caipiras se voltarem suas atenções para o homem da roça. O que dirão os amigos intelectuais do sociólogo-presidente, na Europa e nas Américas, se souberem uma coisa destas!? O que dirão os familiares de Pedro Malan, que moram em Washington, e os agentes dos organismos financeiros internacionais – com quem ele tem deliciosas tertúlias – se o imaginarem sentado à mesa com essa caboclada da lavoura!? O que dirão os urbanistas colegas de prancheta de Jaime Lerner, se o virem ocupado com coisas roceiras, quando sua cultura é toda voltada para as cidades, e com pretensões de abrangência internacional, pois a coisa do que nosso governador mais gosta é ir para o exterior falar de ‘‘ligeirinho’’ e de ‘‘vias rápidas’’!?
Nunca se viu Jaime Lerner ir a Brasília, ou liderar caravanas, para reivindicar algo em benefício da agricultura do Paraná, este que é o maior Estado agrícola do país.
Foi de um presidente norte-americano que ouvimos, num momento de suprema iluminação, as sáábias palavras de que, se perecerem as cidades os campos sobreviverão, mas se perecerem os campos as cidades não resistirão. Com isto nos alertando para a prevalência das civilizações rurais sobre as civilizações urbanas. Uma nação pode subsistir sem parafusos, nunca porém sem o alimento.
É inconcebível o estigma que tem pesado justamente sobre o produtor do nosso maior bem material, que é o alimento, e que a política governamental não contemple um projeto agrícola, aí compreendendo-se a atividade puramente extrativista e todos os seus segmentos.
Os postulados da atual diretoria da Sociedade Rural do Paranáá – entidade que tem sede em Londrina, promove anualmente uma das maiores exposições agropecuárias do país e é, pelos seus ideais, a mais politizada representação agropecá© uária brasileira – são justamente organizar as lideranças da classe, sensibilizar os governantes para a implantação de uma política agrícola, de uma legislação trabalhista específica para o trabalhador rural, programas consistentes de crédito rural e segurança no campo, busca de novos mercados e políticas sustentááveis de exportação e importação de produtos agrícolas, zoneamento agropecuáário, extensionismo rural, formação de capital humano para o desenvolvimento das atividades do campo, preservação ambiental e reposição florestal, políticas de maior rentabilidade das propriedades rurais, e, naturalmente, uma reforma agráária que contemple o colono sem terra e afaste o temor das invasões.
O produtor rural nunca perdeu a sua dignidade, porque ela lhe é inerente, mas o governo não a reconhece, e faz questão de demonstrar isto. Diga-se, ademais, que é do consenso das massas urbanas inqualificar o homem da roça, ridicularizando-o com imagens pejorativas, quando deveriam ter por ele a reverência da gratidão, pois é pelas suas mãos que o alimento chega, todos os dias, à mesa de cada um.
Nenhuma vez, em seu mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso visitou o Brasil rural, nunca conversou em torno de uma mesa com os homens do campo, nunca encomendou aos seus ministros um estudo sobre a agricultura e a pecuária, nunca teve real empenho com a política de empregos, porque, se tivesse, saberia que o agronegócio jáá é o grande garantidor de trabalho, no Brasil, e o seráá cada vez mais, porque a este gigantesco e maravilhoso país foi concedida a graça de ser, fundamentalmente, produtor de alimentos.
Com ou sem governo, os brasileiros do campo haverão de encaminhar o Brasil rumo ao seu grande destino. Com ajuda do governo seria certamente mais fáácil. Porque é verdade que, os governos, afora não ajudar, têm atrapalhado bastante.
Neste mês e ano em que o Brasil comemora os 500 anos do dito descobrimento, convinha rememorar o escrito do jornalista Pero Vaz de Caminha, que em sua primeira reportagem sobre o Brasil disse que, aqui, em se plantando, tudo dáá.
Estivesse entre nós, o lusitano enviado da Corte escreveria hoje: ‘‘No Brasil, o governo não atrapalhando, tudo dáᒒ.
WALMOR MACARINI é jornalista em Londrina