Imagem ilustrativa da imagem PUNIÇÃO EM DEBATE - 'Prisão em 2ª instância é moralizadora'
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A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) com um pedido de liminar em habeas corpus preventivo para evitar uma eventual prisão em função da condenação do petista em segunda instância no caso triplex do Guarujá, no âmbito da Operação Lava Jato.

Lula havia sido condenado por lavagem de dinheiro e corrupção passiva pelo juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato em primeira instância, a nove anos e meio de prisão. No último dia 24 de janeiro, em Porto Alegre, os três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), além de confirmarem a condenação por unanimidade, aumentaram a pena para 12 anos e um mês em regime fechado. Um dia após a condenação, o PT lançou a pré-candidatura de Lula à Presidência da República.

Conforme o entendimento adotado pelo TRF-4, Lula só poderá ser preso depois de esgotados todos os recursos disponíveis à defesa. Antes de recorrer ao STF, a defesa já tinha pedido que a Corte do STJ (Superior Tribunal de Justiça) impedisse a prisão do ex-presidente. Porém, o ministro do STJ, Humberto Martins, rejeitou a solicitação.

O argumento da defesa é de que a Constituição e o Código de Processo Penal preveem que o réu só é considerado culpado após o trânsito em julgado do processo - quando já não são possíveis mais recursos na Justiça. Nesse último habeas corpus, os advogados de Lula pedem que o pedido seja analisado diretamente pela Segunda Turma do STF e não primeiro pelo relator da Operação Lava Jato na Corte, Edson Fachin. Fazem parte da Segunda Turma, além de Fachin, os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.

Em 2016, o STF permitiu a execução da pena após a condenação em segunda instância. Porém, no caso de Lula, cabe ainda um recurso chamado de embargo de declaração. Para a partir daí o petista começar a cumprir a pena.

Entretanto, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, afirmou recentemente que o tema não estará na pauta da Corte em fevereiro ou março. Ela ainda ressaltou que utilizar o caso do ex-presidente para revisar a decisão sobre prisão após segunda instância seria "apequenar" o tribunal. O pleno do STF já havia analisado a questão em 2009. Nas duas ocasiões (2009 e 2016), Cármen votou pela permissão da prisão em segunda instância.

A FOLHA conversou com o jurista José Paulo Cavalcanti Filho, ex-secretário do Ministério da Justiça e ex-ministro interino da Justiça no governo do ex-presidente José Sarney, que detalhou o processo e explicou se Lula vai ou não para a prisão. "A decisão [sobre prisão em segunda instância] é administrativamente correta. Afinal, a Corte decidiu isso faz muito pouco tempo. E moralmente adequada, porque garante prisão para poderosos", argumenta Cavalcanti, que integrou a Comissão Nacional da Verdade.

Quais as chances reais do Supremo Tribunal Federal reverter essa questão da prisão após segunda instância?
A prisão em segunda instância é da tradição do sistema jurídico brasileiro. Foi sempre assim, salvo breves anos recentes. E é coisa boa. Moralizadora. Os casos que vão até o Supremo são, quase todos, de pessoas poderosas. Política ou economicamente poderosas. Os pobres, não. Apesar disso, não se pode dizer que a Corte, na sua composição atual, vai manter a regra. Melhor esperar para ver. Na esperança de que não mude. Afinal, como dizia o amigo Fernando Pessoa (num poema sem título de 1926) "Por que esperar? Tudo é sonhar".

Como esse processo funciona?
A presidente da Casa pauta o assunto para ser examinado pela totalidade do Supremo. Cármen Lúcia já disse que não o fará, em sua gestão. Seria " apequenar " o Supremo, foram suas palavras. Com toda razão. Mas quem pode garantir que Toffoli, com a história que tem, não o faça?

Tendo em vista essa afirmação da ministra Cármen Lúcia, que disse que utilizar a Corte para revisar a prisão de Lula após a segunda instância seria ‘apequenar’ o STF, qual a sua avaliação sobre o assunto?
A decisão é administrativamente correta. Afinal, a Corte decidiu isso faz muito pouco tempo. E moralmente adequada, porque garante prisão para poderosos. Para entender o sistema, considere-se que o recurso em decisão de primeira instância, Apelação, tem efeitos devolutivos (o assunto é reapreciado em tribunal) e suspensivo (suspende os efeitos da decisão em primeiro grau). Enquanto decisões dos tribunais comportam recursos só com efeito devolutivo. Não suspendem a decisão do tribunal. Sem contar que os tribunais superiores não poderão reexaminar provas, por força da Súmula 7 do Supremo.

Em um dos seus artigos, o senhor diz que a tradição no Brasil prevê que os réus sejam presos após decisões em segunda instância. Essa reversão seria um retrocesso?
Um retrocesso enorme. Especialmente agora, quando réus por corrupção (ativa e passiva) correm o risco de responder por seus crimes. Boa parte de nossa elite política e empresarial. Vê-los condenados e presos seria algo educativo. Prova de que o País começa a ser sério. E democrático. Prova de que a lei vale para todos.

Em quais países do mundo isso ainda acontece?
A ONU tem 194 países. Em 193 deles réus vão presos em decisões de primeira ou segunda instância. Seríamos o único país do mundo com essa novidade de quatro instâncias. Garantia (quase) certa de impunidade, para gente demais. A única invenção brasileira universalmente reconhecida é a duplicata mercantil. Incorporada na Convenção de Viena, das cambiais. Nem mesmo somos reconhecidos pelo avião, que os Estados Unidos reivindicam a primazia. Depois dessa jabuticaba da prisão em quarta instância, teríamos a segunda invenção. O que nos deixaria muito mal. Como se diz nas TVs, " uma vergonha " .

Só aqui no Brasil que ocorre de ter que esperar a decisão do Supremo?
Não hoje. Mas assim seria, se o Supremo decidir por este sistema injusto de proteção dos poderosos.

O senhor acredita em pressão dos dois grupos: do presidente Michel Temer e dos condenados pela Lava Jato relacionados ao PT?
Preferia acreditar que não. Mas, pelo andar da carruagem...

Passado tudo isso, qual seria o prazo normal para se definir se o ex-presidente Lula irá ou não para a prisão?
A defesa do ex-presidente, depois dos Embargos de Declaração claramente protelatórios, vai ingressar com recursos Especial e Extraordinário. Perante STJ e STF. Mas vai também ingressar com habeas corpus. No STJ, o tema vai necessariamente para a Primeira Turma de Direito Penal. Relator, prevento, é o ministro Felix Fisher. Ele negará. Tem negado todos. Não é razoável imaginar que vai mudar de entendimento, agora. Os advogados do ex-presidente ingressarão com Agravo Regimental. Equivalente ao Agravo Interno do Processo Civil.

A turma (Reynaldo Fonseca, Jorge Mussi, Joel Paciornick e Ribeiro Dantas) também negará. Por se considerar vinculada à decisão do Supremo, sobre prisão em segunda instância. Tem sido assim em todos os casos similares. Todos, e não alguns. O HC no Supremo vai para o ministro Fachin. Prevento. A considerar suas últimas decisões, ele não se pronunciará até que o STJ decida. Problema, para o ex-presidente, é que, após negação do STJ, ele necessariamente vai ser preso. Segundo os prazos usuais, na Casa, em torno do mês de maio. Vai ser preso? Com certeza vai. Continuará preso? Como o Supremo vai decidir, na segunda turma, só Deus sabe.