“O senhor chegou trinta anos atrasado!” Afirmou o topógrafo Vladmir Babkov. Era final da década de 1990. Eu e o arquiteto Marcos Barnabé tínhamos ido a Maringá entrevistar o topógrafo remanescente da CTNP / CMNP. A missão: tentar desvendar a lenda das cidades jardins no Norte do Paraná.

Na época havia quem apontasse a influência de garden cities no Norte do Paraná. Justificavam a origem inglesa dos dirigentes da Companhia e um ou outro detalhe do plano de colonização. Sabemos que, nos relatórios da Paraná Plantations Limited (anos 30), direcionada a acionistas ingleses, a palavra garden city nunca foi citada. Era utilizada a palavra township para designar patrimônios.

Imagem ilustrativa da imagem Projetar o Norte do Paraná – O Olhar de Babkov
| Foto: Assessoria de Comuicação/PMM

A lenda das cidades jardins surgiu, possivelmente, com a publicação Colonização e Desenvolvimento (CMNP, 1977). Ali estão descritos, em forma de depoimentos, as características consideradas “inovadoras” do empreendimento: a ferrovia, o distanciamento de 15 km entre cidades, a rede de estradas no espigão, as chácaras em volta do patrimônio, o parcelamento em lotes de dez alqueires, entre outros.

Vale ressaltar que os empreendimentos de colonização do Norte do Paraná foram o resultado da aplicação sistemática de Decretos de Colonização (1907, 1915), Decretos de Concessão das Ferrovias Estrada de Ferro Central do Paraná (ajustada em 1925) e Companhia Ferroviária São Paulo Paraná (1928) além da Concessão de Terras às margens do rio Paranapanema (1920-25). (Yamaki, 2017)

Sabemos que a CTNP produzia plantas em várias escalas: 1: 80 000 (Planta Parcial de Colonização), 1: 20 000 (Planta Gleba Patrimônio) e 1: 5 000 (Planta de Cidade). A cada planta correspondia um tipo de detalhamento. Por exemplo, a faixa de terras que não era parcelada em volta das cidades na escala 1: 80 000 tinha os pormenores na escala 1: 20 000.

Voltando à entrevista com Babkov. Era um cossaco russo nascido em Novotski, território cossaco, em 1902. Quando conversamos, tinha 95 anos. A sua biografia mostra uma mobilidade forçada pela instável política da Europa Oriental. De campo de concentração a motorista de taxi, teve varias passagens. Fez um curso de agronomia.

Babkov chegou à America do Sul via Buenos Aires. Depois segue para Assunção e logo Campo Grande. Já em São Paulo, permaneceu um mês na fazenda da família Junqueira. Observou etapas do plantio de café. Trabalhou ainda, por breve período, na Sociedade Paulista de Imigração e Colonização. Tinha então 42 anos.

Num restaurante russo do “camarada Novotlich” na rua Vitória SP, conheceu Razgulaeff, topógrafo da CTNP. Recebeu um convite para vir ao Norte do Paraná. Trabalhar na Companhia. Aceitou e afirma que, afinal, tinha “casa, comida e roupa lavada”.

Perguntei então sobre as cidades jardins. O método de projetar cidades. “Já não me lembro de quase nada...” respondeu. E, pausadamente, prosseguiu: “Quando chegava ao local determinado (pela Companhia) para a implantação do povoado, observava as aguadas e o afloramento de rochas. Em duas horas e meia de caminhada geral pela mata já conseguia imaginar um plano.” Seguia tradição milenar. Babkov projetava com o olhar.

Clausulas detalhadas dos Decretos de Governo orientavam os planos de colonização e projetos de patrimônios. Permitiam trabalhar, lado a lado, topógrafos de varias nacionalidades e níveis técnicos. Eram russos, alemães, japoneses, etc. Um observador atento pode identificar o autor do projeto de cada patrimônio de acordo com as características.

No final da entrevista Babkov perguntou: “O senhor conhece Yokoyama... topógrafo?“ Percebi então que ainda tínhamos muito a desvendar. Vários olhares definiram planos e projetos no Norte do Paraná. Prometemos retornar breve.

Humberto Yamaki, coordenador do Laboratório de Paisagem UEL

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