O jogo nunca foi tão aberto. Não existe mais espaço para falsos pudores, neste estágio do debate. O papa é atacado; o bispo é questionado constantemente e o padre, bem o padre, é simplesmente confrontado. Mas não é qualquer papa, nem qualquer bispo ou padre! São selecionados cirurgicamente os que se opõem às ideias do momento. E essas ideias são claramente reacionárias. Em termos políticos, religiosos e acadêmicos. Diga-se, a bem da verdade, num mundo de fakes, que este comportamento vai muito além do espectro eclesiástico.

Para uma boa parcela de católicos, o Vaticano II foi uma tragédia! Vários movimentos surgiram, reclamando a devolução da autenticidade da “Santa Madre Igreja” sequestrada segundo eles, por esse evento do início dos anos 60. As missas em latim, as vestes litúrgicas, e principalmente aquela “autoridade” com que a Igreja se impunha ao mundo nos últimos 16 séculos. Não aceitavam que o ambiente de cristandade se esvaísse por entre os dedos e colocasse a Igreja de Jesus Cristo descalça nos caminhos da história dos homens e das mulheres, a que ela deveria servir.

Dizem estes senhores, num abuso já despudorado da própria argumentação dedutiva, que os padres e bispos que teimam em ser fieis à Palavra de Cristo eficaz “ontem hoje e sempre” se situam fora da própria Tradição da Igreja. Ora, também aqui eles insistem em se apropriar, confundindo um termo que encontra no evangelho clara condenação, como vemos em Marcos 7 (“Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim; em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens. Porque, deixando o mandamento de Deus retendes a tradição dos homens, como o lavar dos jarros e dos copos, e fazeis muitas outras coisas semelhantes a estas”. E dizia-lhes: “Bem invalidais o mandamento de Deus para guardardes a vossa tradição.”).

Ora, está incomodando muito os adeptos do nosso presidente, que a Igreja vá mais além das recomendações dos comités estaduais ou municipais, como se uma permissão pudesse significar obrigação. Não se nega em nenhum momento a “cientificidade” desses documentos oficiais. Mas, mais além da legitimidade oficial de quem os produz, existem estudos e experiências internacionais que recomendam prudência. E a Igreja em assembleia de padres e bispo decidiu sabiamente em aguardar mais um pouco, para o retorno de suas celebrações. Foi assim nos vários países da Europa e pelo mundo afora. Hoje, depois de um longo inverno de muitas mortes, lá já recomeçam com várias restrições essa abertura.

Chegará o nosso momento. Outdoors na cidade reclamando a eucaristia denota além de uma teologia totalmente equivocada sobre a mesma, uma afronta aos líderes da Igreja. Vinda de quem? Dos mesmos, cujo grupo defende com unhas e dentes um outro líder que até agora indica a morte como destino de milhares de brasileiros. E nem que para isso tenham que classificar as fake news como liberdade de expressão.

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina.