Na Grécia Antiga, o vínculo entre virtudes e política era indissociável. Platão elegeu a sabedoria, a temperança, a justiça e a fortaleza como virtudes cardeais para a boa convivência em sociedade. Na opinião do filosofo, deveríamos ter líderes filósofos, capazes de entender a natureza da virtude, a ideia de bem e de justiça. Para isso, o governante deveria se dedicar plenamente à coletividade, afastando-se de interesses pessoais ou familiares que pudessem comprometer sua missão – verdadeiro sacerdócio. Sem posse de bens materiais, casamentos ou laços familiares, os governantes poderiam se dedicar ao governo justo e a buscar o bem da pólis de forma plena.

Embora, nos dias de hoje, não se espere tamanho desapego e dedicação de um governante, as virtudes que sustentaram a ideia de humanidade, como justiça, equilíbrio, solidariedade e responsabilidade, vêm sendo continuamente desprezadas. São eleitos líderes que representam o que de pior a humanidade já produziu. Ganham destaque figuras abertamente preconceituosas, autoritárias, machistas e insensíveis diante dos mais vulneráveis. Usam a mentira compulsivamente, e defendem a lei do mais forte como princípio organizador da sociedade. Mas, o mais alarmante, é que o fazem sob a aprovação e entusiasmo de grande parte da população.

Já foi o tempo em que as virtudes davam lastro para a eleição de nossos representantes. Incrivelmente, pautas como direitos humanos, inclusão social, distribuição de renda, preservação ambiental, acolhimento de imigrantes e de minorias, antes sinais de desenvolvimento civilizatório, passaram a ser demonizadas e seus defensores perseguidos numa impressionante inversão de valores.

O século XXI vem atentando contra as bases mais elementares do que se poderia entender por avanços civilizatórios sustentados em virtudes. Exalta-se o individualismo, o egoísmo, o personalismo e o preconceito por todo aquele que pensa ou é diferente. Propaga-se um fundamentalismo que reivindica a exclusividade da verdade e adota uma visão maniqueísta, em que uma parte da sociedade se vê como o "bem encarnado" e demoniza os demais como o "mal absoluto".

Um exemplo emblemático é o caso recente dos Estados Unidos, que elegeram, pela segunda vez, um presidente assumidamente racista, com políticas que atacam imigrantes e minorias. Privilegia interesses econômicos privados, incentiva a exploração ambiental e é negacionista em questões de saúde pública. Demonstra desprezo pelas instituições democráticas, chegando a incentivar a ocupação do Capitólio, numa tentativa clara de golpe de estado. Debaixo do seu ego inflamado, acredita ser “o escolhido”, evidenciando traços de psicopatia. Parafraseando Bertolt Brecht: "Infeliz a nação que precisa de heróis", ou de mitos, pois sempre será manipulada e tutelada.

Embora a comunidade latina tenha se destacado na construção da nação norte americana e represente mais de 20% da população, Trump, referiu-se aos imigrantes mexicanos como "criminosos" e "estupradores" e chamou os porto-riquenhos de “lixo”. Sua política anti-imigração já separou filhos de suas famílias, demonstrando requintes de crueldade. A tese de que os estrangeiros roubam empregos de cidadãos estadunidenses não se sustenta, haja vista que o país conta com taxas de desemprego abaixo de 4%, ou seja, funciona a pleno emprego.

Assiste-se a uma verdadeira regressão em relação aos direitos civis e sobre a justiça social. Se a dor do outro não nos comove, e sua vulnerabilidade é usada para oprimi-lo, é sinal de que o egoísmo triunfa e os piores traços humanos emergem sem constrangimento. Onde nos perdemos como humanidade? Talvez a resposta esteja em resgatar as virtudes que um dia alicerçaram a política.

Luís Miguel Luzio dos Santos, pós-doutor em filosofia