A adesão de igrejas evangélicas à criação do partido pretendido pelo presidente da República, tema de meu artigo “Tirem Bolsonaro do altar”, de 30 de janeiro, suscita a pergunta: pode um cristão – evangélico ou católico - apoiar Jair Bolsonaro? Bolsonaro se declara “terrivelmente cristão”, frequenta cultos evangélicos, embora oficialmente católico (mero detalhe), ufana-se de que “temos um governo que adora a Deus” (afirmação feita na solenidade de formatura de guardas-marinhas na Escola Naval, no Rio de Janeiro, em dezembro) e proclama: “Tenho uma missão divina”, que é “salvar o Brasil” (“La Nación”, em junho do ano passado).“A fé cristã expressa-se de três formas: com as palavras, o coração e as mãos”, lembrou o papa Francisco aos jovens de Guidona, periferia de Roma, em janeiro de 2017.

Ora, as palavras, o coração e as mãos de Bolsonaro afrontam os princípios cristãos, que são o amor ao próximo, a caridade, o respeito à vida, a fidelidade à verdade. Ele faz a apologia do regime de força que vigorou no Brasil de 1964 a 1985, censurando-o apenas porque, segundo ele, deveria ter matado mais do que matou e cultua como herói o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, notabilizado pela crueldade que praticava nas sessões de tortura que comandou naquele período sombrio.

Declara-se contra as minorias, é vingativo (o caso da exoneração do fiscal do Ibama que o multou é emblemático), tem desprezo pela vida (a proibição de radares, sustada pela Justiça, provocou o aumento de mortes nas rodovias) e ao meio ambiente (seus discursos resultaram em mais desmatamento da Amazônia), advoga o uso indiscriminado de armas pelos civis (bem que tentou, mas o Congresso conteve seu ímpeto), e incorporou a mentira ao seu cotidiano. É raro o dia que não minta ou distorça a verdade. E tenta impor no grito sua paranoia, preconceitos e rancores e sua versão dos fatos (ou melhor, aversão aos fatos), daí seu ódio à imprensa livre e às instituições que servem de anteparo ao seu desejo de poder absoluto.

“A escalada em termos de intimidação, bem como a proliferação descontrolada das armas são contrárias à moral e à busca duma verdadeira concórdia”, advertiu o papa na mensagem do Dia Mundial da Paz de 2019, dia em que Bolsonaro assumia a presidência.E Cristo, no monumental e poético Sermão da Montanha, alertou: “Guardai-vos dos falsos profetas. Eles vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores. Pelos seus frutos os conhecereis.”

Pelos frutos, resumidos acima devido à exiguidade de espaço, a pergunta “pode um cristão apoiar Bolsonaro” impõe outra: quem apoia Bolsonaro é cristão?

Estes sete elementos contribuem para a reflexão:

Deus é a Verdade; o demônio a mentira;

Deus é a Justiça, o demônio a parcialidade;

Deus é o Amor, o demônio o ódio;

Deus é a Harmonia, o demônio a discórdia;

Deus é a União, o demônio a desagregação;

Deus é a Paz; o demônio o conflito;

Deus é a Natureza, o demônio sua destruição.

Esclarecimento: O porta-voz de uma facção bolsonarista interpela-me em artigo publicado neste espaço no dia 7, sobre o que fiz ou deixei de fazer em relação a algumas atitudes que atribui ao arcebispo Geremias Steinmetz. Não devo satisfação a nenhum Torquemada da Nova Era do Obscurantismo! Seu artigo serviu para expor a petulância do grupelho, que se rotula representante do catolicismo nacional sendo que mal conseguiu a adesão de 1% dos católicos londrinenses a uma petição contra o arcebispo.

José Antonio Pedriali, jornalista e escritor, Londrina