A pesquisadora Anna Carolina Muller Queiroz se dedica a investigar o uso de tecnologias na educação
A pesquisadora Anna Carolina Muller Queiroz se dedica a investigar o uso de tecnologias na educação | Foto: Divulgação

Fazer a imersão dos alunos em ambientes e situações em que eles possam vivenciá-los de forma real, porém, sem sair da escola. Este é um dos usos da Realidade Virtual (RV) e parte do objeto de estudo da pesquisadora brasileira Anna Carolina Muller Queiroz, que se dedica a investigar o uso de tecnologias na educação.

Doutoranda no programa de Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora no laboratório Virtual Human Interaction Lab na Universidade de Stanford, ela é membro do comitê científico do projeto “Planetary Health” da Universidade de Edimburgo, contribuindo para o desenvolvimento de soluções que contribuam para a saúde e educação por meio de mídias inovadoras.

No início de abril ela participou do “Brazil at Silicon Valley”, no Vale do Silício, nos Estados Unidos, com personalidades do cenário internacional nas áreas de inovação, tecnologia e empreendedorismo para discutir como impactar a competitividade do Brasil no cenário internacional.

“Algo muito importante que foi discutido e que sempre discutimos nas nossas pesquisas é o papel do professor na educação. Muitas vezes dizem que a tecnologia virá para substituir o professor, mas não. A tecnologia tem que ser encarada como uma ferramenta a mais que o professor tem para atingir seus objetivos com aqueles alunos”, afirmou.

- Como a realidade virtual pode ajudar na educação?

A realidade virtual tem uma característica bastante peculiar que é o aluno poder sentir a experiência. A partir do momento que você coloca aquele óculos e bloqueia qualquer outro estímulo que vem de fora, você só está vendo aquele conteúdo digital na sua frente, isso tudo te coloca dentro de um ambiente virtual e nosso corpo reage muitas vezes como se esse ambiente fosse real. Para dar um exemplo, temos no laboratório uma experiência em que você tem uma placa de madeira entre dois prédios, então está muito no alto, obviamente isso tudo é virtual. Você chega no laboratório, coloca os óculos e fica de frente para essa tábua para cruzar entre os prédios. Quase 30% dos adultos não atravessa. Eles sabem que estão dentro da sala, estão ouvindo a minha voz mas eles olham e não atravessam, ou seja, o nosso cérebro, o nosso corpo reagem como se aquilo fosse em parte, real. Você transportar isso para um ambiente da educação é muito interessante porque na educação e na aprendizagem o aspecto emocional influencia muito. Quando você tem que aprender sobre um determinado conteúdo, ouvir sobre aquele conteúdo é muito diferente quando você pode experienciar aquilo dentro do ambiente virtual e pode interagir. Isso traz muitos ganhos para a aprendizagem. Temos muitos estudos mostrando que os alunos que utilizam experiência virtual logo em seguida ficam muito mais curiosos, querem buscar mais informação, perguntam mais. Desperta o lado do interesse, aumenta a motivação para aprender, o engajamento.

- A realidade virtual pode ser utilizada em todas as disciplinas, para todas as idades?

É muito importante identificar o que do que eu quero ensinar poderia ser ensinado de uma forma diferente e teria um resultado melhor se eu utilizasse a realidade virtual. Nem tudo você deveria utilizar. Sempre é interessante olhar a realidade virtual como um complemento, como uma ferramenta a mais, que tenha essa potencialidade de suscitar reações, de colocar o aluno realmente naquela experiência. Eu deixo para usar a realidade virtual para essas situações apenas. Para todo o restante existem várias outras metodologias que podem ser mais efetivas. Imagine que você está estudando sobre ecossistemas e você quer aprender a relação das atividades humanas com o oceano. Na escola o professor pode discutir sobre esse assunto, pode assistir um documentário, trazer fotos, comentar sobre uma matéria de jornal, revista e também pode utilizar a realidade virtual. Levar todos esses alunos até o fundo do oceano seria possível mas é muito caro. Imagina que você pode ir na sala ao lado, o aluno coloca os óculos e ali ele já se vê em uma região específica do Mediterrâneo, em um lugar específico no fundo do mar onde saem bolhas de gás carbônico. Ele vem mesmo do solo e por conta do aumento de concentração de gás carbônico, toda a vegetação e os animais não conseguem sobreviver. Esse é um lugar que nos mostra como o oceano ficaria se a concentração de gás carbônico na atmosfera continuar aumentando na velocidade que está. Os alunos conseguem ver, se movimentar ali, ver detalhes de como ficou esse fundo do mar, temos imagens reais, uma equipe nossa foi para lá, fez esse vídeo 360 graus e colocou dentro da experiência. Em sete minutos mais ou menos eles vão conseguir aprender diversos conteúdos. Dependendo do objetivo do professor e analisando todas as possibilidades, ele seleciona a realidade virtual que pode e, muitas vezes, oferece experiências de aprendizagem multidisciplinar.

- A realidade virtual ainda é uma pesquisa ou já está funcionando na prática de alguma forma, no caso da educação?

Já temos algumas escolas particulares utilizando realidade virtual, já saiu do laboratório, aqui nos Estados Unidos. Para você ter uma ideia, há dez anos, para você montar o ambiente de realidade virtual, com sensores de movimento para saber onde você está dentro do espaço virtual e mais o óculos, custava mais de 100 mil dólares. Era muito caro. Naquele momento o uso da RV era dentro do laboratório, de empresas, não tinha esse alcance que tem hoje. Nos últimos cinco anos reduziu bastante (o valor) e você pode inclusive ter dentro da sua casa um equipamento de RV. Aumentou tanto o interesse pelo uso da tecnologia quanto aumentaram as pesquisas. Hoje não precisamos levar mais os alunos até a universidade para fazer pesquisa. A gente leva os equipamentos até as escolas, até os museus, até qualquer lugar em que eu queira aprender mais sobre como as pessoas utilizam realidade virtual.

- O equipamento neste valor é de uso individual ou já existe alguma forma de abranger mais alunos ao mesmo tempo?

Hoje já temos possibilidade de ter mais de um aluno. Temos óculos que são mais baratos e conseguimos ter mais de um óculos dentro da escola. Normalmente vários alunos podem colocar os óculos ao mesmo tempo e cada um tem sua experiência individualizada, isso é o mais comum que acontece. O que está começando a ter para o mercado em geral são as plataformas multiusuário, onde várias pessoas conseguem virtualmente estar no mesmo lugar. Eu coloco os óculos, você coloca os óculos e eu consigo te ver nesse ambiente virtual, consigo falar com você, interagir. Isso já existe.

- Qual é o objeto de sua pesquisa?

Temos diversas pesquisas, com diversos focos. Uma é identificar como a realidade virtual pode ser uma aliada no ensino, como ajuda na aprendizagem, como os alunos que experienciam a realidade virtual lembram do conteúdo, tanto em termos qualitativos quanto quantitativos. Outro braço é para o lado socioemocional, que está muito conectado também com o resultado da aprendizagem. Temos um estudo aqui que não foi feito com o propósito de sala de aula, de ensino, mas que mostrou-se um aprendizado muito grande de como a realidade virtual pode ser usada para isso também. Aqui nessa região da Califórnia, próxima de Stanford, está havendo um problema muito sério em relação à moradia. Foi feita uma experiência onde você coloca os óculos e primeiro está dentro de um apartamento, com tudo que te traz algum conforto. Você não consegue pagar o aluguel, começa a vender as coisas que estão ali dentro e mesmo assim não é suficiente, então você vai morar no seu carro. Também não consegue pagar os custos do carro e começa a morar na rua, aí você interage com outras pessoas que contam as histórias delas, são relatos reais de pessoas que passaram por isso. Um grupo de pessoas passou por essa experiência em realidade virtual e outro grupo apenas assistiu em uma tela de computador essa experiência. Os participantes que assistiram em RV assinaram mais uma petição no final para pedir ações do governo para resolver essa questão das pessoas que estão morando na rua. Isso nos diz que o fato de estar imerso naquela experiência aumenta a sua empatia com aquela população. Podemos ver que aumenta o engajamento com aquilo que você está aprendendo e isso desperta mais a sua curiosidade e melhora o processo de aprendizagem também. Além disso, a educação não é só conteúdo conceitual, não é só conflito de física, de matemática, ela também forma pessoas que vão atuar no mundo, que têm que se preocupar, e se preocupam, com a comunidade em que estão inseridas.

- Muitas escolas brasileiras têm problemas relacionados a questões básicas, como falta de merenda e infraestrutura inadequada. Sendo assim, na sua opinião, quando a RV poderia chegar ao Brasil? É possível que um dia os alunos das escolas públicas tenham acesso a essa tecnologia?

Costumo dizer que a RV hoje é igual aos laboratórios de informática de 15 anos atrás. Há 15 anos algumas escolas pensavam se deveriam ter um laboratório de informática ou não e hoje quase todas têm. A inserção da RV nas escolas passa pelo mesmo processo. É claro que uma escola que não tenha nem merenda para os alunos, essa não é a prioridade. Vamos colocar prioridades. E segundo, existem vários modelos diferentes de equipamento, a previsão é que eles fiquem cada vez mais baratos, tudo depende do objetivo daquele uso. Se eu quero um uso que o aluno vai interagir, se precisa ter aquela vibração do controle para ele sentir o retorno do que está fazendo, vou ter um equipamento um pouco mais caro. Se o meu objetivo é simplesmente mostrar para ele, de uma forma imersiva, um determinado lugar, uma determinada situação, eu posso ter as opções mais baratas, como por exemplo o próprio celular inserido naqueles adaptadores. Tem de papelão, de plástico, são opções mais baratas e que também têm seu benefício e podem ser utilizadas. Acho que vai muito do objetivo daquele uso, da criatividade para achar soluções e de priorizar. Trazer a RV para a escola tem muitos ganhos, mas ela só faz sentido dentro de um contexto geral, de pensar a educação como algo geral e como eu vou usar aquilo em uma ferramenta para melhorar um determinado aspecto da aprendizagem.