O Estado representa o coletivo, todos nós, e é sobre esse coletivo que deve estar comprometido. O Estado brasileiro, conforme a Constituição Federal, é um Estado Social Democrático de Direito, e como tal, tem por obrigação efetivar os direitos sociais de forma universal e irrestrita, além de estar aberto à concepção de novos direitos sempre que as demandas se impuserem. Tem como compromisso promover a geração de riqueza e distribuí-la de forma equilibrada entre todos, garantir proteção social, assistência, segurança pública e jurídica, saúde, educação, e infraestrutura.

Para que o Estado funcione adequadamente precisa de um sistema tributário eficiente e justo, algo que se coloca como um dos seus principais desafios. O sistema tributário brasileiro é particularmente problemático, pois é complexo e profundamente injusto. É notório o problema da cumulatividade tributária e a burocracia que reduz substancialmente a eficiência econômica. Contudo, o maior desafio encontra-se em promover justiça tributária, o que envolve a necessidade de maior progressividade nas alíquotas, para que quem mais concentre riqueza seja especialmente onerado.

A principal pergunta não é se a tributação é alta ou baixa, mas de onde estão saindo os recursos, para onde são alocados e se estão atendendo às necessidades da população que mais precisa. O caso brasileiro é particularmente escandaloso, o que explica sermos o país com maior concentração de renda de todo o planeta no estrato 1% superior. Em 2012 apenas 200 bilionários concentravam R$ 350 bi (7% PIB), em 2018 o montante passou para R$ 1,2 tri (17% PIB). Nesse grupo não tem nenhum negro e só uma mulher e a maioria são intermediários financeiros, ou seja, indivíduos que não produzem nada, mas são os que mais lucram.

O maior montante tributário incide sobre consumo, incluído nos preços dos produtos e serviços, o que pesa particularmente sobre os mais pobres que têm toda a sua renda comprometida com consumo básico. Por sua vez, a tributação sobre renda e patrimônio é especialmente baixa em relação à média mundial, o que beneficia os mais ricos que acumulam recursos e os usam para especular. Boa parte da renda dos mais ricos é aplicada em títulos da dívida pública, remunerados com um dos juros mais altos do planeta. Aí vem a incômoda pergunta: quem lhes paga tão generosos rendimentos? A classe média e pobre por meio de impostos indiretos que viabilizam a rolagem da dívida interna e assim se efetiva um dos principais mecanismos de concentração de riqueza.

Vive-se um paradoxo, o rentismo se torna mais atrativo do que o investimento produtivo, aumentando as desigualdades e perpetuando as injustiças sociais. Paralelamente, os mais ricos condicionam seus investimentos às reformas que lhes convêm, como a trabalhista, previdenciária e tributária. A motivação é diminuir o Estado para os pobres e aumentar para os ricos, pois estes não hesitam em apelar para ajudas governamentais em momentos de crise, com subsídios, desoneração fiscal, renegociação de dívidas - Profis, Refis - e por outro lado, opõem-se sistematicamente a qualquer mecanismo de transferência de renda, expansão de programas sociais, investimento em educação e saúde pública ou qualquer política que não passe pelas suas mãos. Essa é a razão de nada mudar e apesar de sermos um dos países mais ricos do mundo, mantemos a maioria da população em condições de indignidade crônica.

Como afirma Mia Couto, escritor moçambicano: “A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos. Mas ricos sem riqueza. Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos, mas de endinheirados. Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro e dá emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. Ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele”.

Luís Miguel Luzio dos Santos, professor de Socioeconomia na UEL (Universidade Estadual de Londrina)